O Besta Quadrada anda pisando na bola. Longos períodos de inatividade se somam a promessas não cumpridas. Este blogueiro não havia dito anteriormente que o tema a ser tratado seria o suicídio (e a primeira das postagens relativas ao assunto já não deveria ter saído há quase um mês)? Serei honesto: estou intoxicado pela mais abjeta preguiça. Além do mais, os textos que estava escrevendo sobre o tema indicado ficaram longos e chatos e preferi guardá-los por um tempo, até que possa tentar melhorá-los. Ao(à) eventual leitor(a) - caso algum(a) esteja por aí - só posso apresentar essa justificativa descarada, infelizmente. Mas prossigamos, agora falando de outra coisa bem diferente.
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Dias atrás, li uma entrevista, publicada em dezembro último na revista Língua Portuguesa*, com a escritora Stella Maris Rezende (disponível aqui). A autora, cuja obra destina-se ao público juvenil, costuma ter seu texto classificado como "difícil". Ao ser questionada a esse respeito, ela responde:
" [..] Em certos momentos da vida, qualquer leitor pode querer anestesiar-se, ler para entreter-se e esquecer os problemas do mundo. Mas os problemas estão lá, no coração e na mente, o tempo todo. Por mais que o leitor fuja da realidade trágica, por meio de estereótipos e superficialidades, em sua intimidade, sente falta de uma arte mais parecida com sua condição humana: contraditória, angustiante, ambígua, inexplicável, complexa e difícil".
E acrescenta mais adiante, noutra resposta:
" [...] Há autores que escrevem com a intenção clara de atender às expectativas do leitor, atraem centenas de jovens às sessões de autógrafo e isso é admirável, além de provar que o jovem gosta de ler! Respeito esses autores, mas imagino que seus leitores um dia vão sentir falta de algo mais elaborado e rico de significados. Daí a importância dos professores que sejam grandes leitores de literatura. Podem revelar aos jovens que, paralelamente a essa literatura de entretenimento, há a arte literária, que fala de alegrias e dramas com diferentes pontos de vista, sem didatismos e concessões. Uma literatura mais parecida com a condição humana: infinitamente complexa e difícil, mas encantadora".
Acredito que atravessamos uma época de anseio (quase maníaco, nalguns casos) pela facilitação das coisas, dos processos. Desejável e necessária, sem dúvida, em determinados setores (comunicação e acesso à informação, transporte de pessoas e transporte de carga, por exemplo), essa preocupação em tornar tudo mais fácil é questionável (ou não aplicável) quando direcionada para outras áreas, como a pesquisa científica básica experimental. Ou a reflexão filosófica. Ou a arte (por exemplo, a arte literária). Esses empreendimentos, não obstante suas especificidades, desejam atingir justamente a complexidade subjacente às coisas do mundo. Tais empreendimentos não são melhores nem piores do que as outras ações humanas. Somente têm perspectivas distintas (não facilitadoras) sobre a existência.
Qual a relação da "difícil arte" de ler com o que foi dito até agora?
Trabalhando há quase 20 anos na tentativa de formar leitores e, extramuros da academia, estudando a leitura (sobretudo no contexto escolar) há pelo menos uma década, confesso que me encontro hoje um tanto perdido. Há incontáveis textos, nos mais variados suportes, circulando na sociedade e há milhões de leitores, cada qual carregando sua singularidade. Mas a maioria destes, penso eu, estão tomados pelo anseio de facilitação acima mencionado.
A Literatura que me interessa (e cuja leitura busco promover) - Literatura essa que intenciona emular a própria condição humana, "infinitamente complexa e difícil, mas encantadora", nas palavras de Stella Maris Rezende - conseguiria afetar de algum modo esses leitores ansiosos pela facilidade?
Continuo na próxima postagem.
* Fada das palavras. Revista Língua Portuguesa, São Paulo, ano 9, n. 110, dez. 2014, p. 10-13 [Entrevista concedida a Amilton Pinheiro. A revista Língua Portuguesa é publicada pela Editora Segmento]
BG de Hoje
Tô me sentindo meio puto com a vida. Um canção pra tentar acalmar: BADFINGER, Day after day.