"... As oito e meia da noite eu já estava na favela respirando o odor dos excrementos que mescla com o barro podre. Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludos, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo".
Carolina Maria de Jesus
No ano de 1960, quando foi lançado, assim como no decorrer daquela década, Quarto de despejo causou furor. E vendeu. Foram quase 100 mil exemplares, número significativo mesmo para os padrões atuais do restritivo mercado editorial brasileiro. Como explicar a acolhida impressionante de um livro particularíssimo, elaborado por escritora tão improvável? Digo improvável, pensando na origem e pertencimento de classe típicos dos intelectuais no país (a esse respeito, recomendo enfaticamente a leitura de Intelectuais à brasileira, do sociólogo Sérgio Miceli). Terá sido apenas um modismo daquele período e por isso sua obra é menos lida nos dias de hoje?
Audálio Dantas, o jornalista que encontrou Carolina Maria de Jesus em 1958 na favela do Canindé (São Paulo) e editou Quarto de despejo, em entrevista recente (e curta) à Cynara Menezes (blog Socialista Morena/Revista Carta Capital), acha "que, como sempre, a moda passou rapidinho. A maioria consumiu Carolina como uma novidade, uma fruta estranha. Carolina, como objeto de consumo, passou mas a importância de seu livro, um documento sobre os marginalizados, permanece" (a matéria de Cynara Menezes pode ser encontrada aqui). Pergunto-me, contudo: Quarto de despejo seria apenas um registro documentário?
No prefácio de uma edição bem ulterior do livro (a que disponho no momento*), intitulado A atualidade do mundo de Carolina, o mesmo Audálio Dantas faz a seguinte avaliação, desta vez mais ampla:
Sem dúvida, como já foi dito repetidas vezes, Quarto de despejo é a visão de dentro da favela, falando da pobreza e da miséria, por alguém que viveu verdadeiramente nessas condições. Mesmo assim, acredito ser reducionista interpretar o trabalho da escritora apenas como testemunho, depoimento ou material a ser aproveitado numa análise sociológica.
É sobre o valor propriamente literário, estético, do livro que quero escrever. Quero falar - como foi dito por Dantas - de sua paradoxal beleza. Tentarei fazer isso na próxima postagem.
Audálio Dantas, o jornalista que encontrou Carolina Maria de Jesus em 1958 na favela do Canindé (São Paulo) e editou Quarto de despejo, em entrevista recente (e curta) à Cynara Menezes (blog Socialista Morena/Revista Carta Capital), acha "que, como sempre, a moda passou rapidinho. A maioria consumiu Carolina como uma novidade, uma fruta estranha. Carolina, como objeto de consumo, passou mas a importância de seu livro, um documento sobre os marginalizados, permanece" (a matéria de Cynara Menezes pode ser encontrada aqui). Pergunto-me, contudo: Quarto de despejo seria apenas um registro documentário?
No prefácio de uma edição bem ulterior do livro (a que disponho no momento*), intitulado A atualidade do mundo de Carolina, o mesmo Audálio Dantas faz a seguinte avaliação, desta vez mais ampla:
"Mas acima da excitação dos consumidores fascinados pela novidade, pelo inusitado feito daquela negra semi-analfabeta que alcançava o estrelato e, mais do que isto, ganhava dinheiro, pairava a força do livro, sua importância como depoimento, sua autenticidade e sua paradoxal beleza".
Sem dúvida, como já foi dito repetidas vezes, Quarto de despejo é a visão de dentro da favela, falando da pobreza e da miséria, por alguém que viveu verdadeiramente nessas condições. Mesmo assim, acredito ser reducionista interpretar o trabalho da escritora apenas como testemunho, depoimento ou material a ser aproveitado numa análise sociológica.
É sobre o valor propriamente literário, estético, do livro que quero escrever. Quero falar - como foi dito por Dantas - de sua paradoxal beleza. Tentarei fazer isso na próxima postagem.
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* JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 8 ed. São Paulo: Ática, 2001
Nos últimos meses tenho tido muita vontade (mas muita vontade mesmo) de me deitar numa rede e ficar dias e dias só "panguando" (como se diz aqui em Minas). E ouvindo música, claro. Uma das mais tocadas seria Cinamomo, da dupla SÁ & GUARABYRA.
BG de Hoje
Nos últimos meses tenho tido muita vontade (mas muita vontade mesmo) de me deitar numa rede e ficar dias e dias só "panguando" (como se diz aqui em Minas). E ouvindo música, claro. Uma das mais tocadas seria Cinamomo, da dupla SÁ & GUARABYRA.