quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Shakespeare no Cinema (II)


A adaptação para o Cinema da peça Coriolano, de William Shakespeare, foi menos literal do que A tempestade, discutida na última postagem. O filme de 2011 - dirigido e protagonizado por Ralph Fiennes - fez consideráveis modificações na ordenação do texto original. Por exemplo: "enxertou" , em certas cenas, diálogos retirados de outras; também alterou e criou novos cenários. Ainda assim, a marca habitual das versões cinematográficas da obra do dramaturgo inglês permaneceu: a reprodução, com a maior fidelidade possível, da linguagem shakespeareana.

Coriolano é uma obra de forte conotação política: mais precisamente, uma obra a tratar dos conflitos pelo poder (não se deve perder de vista que a arrogância e o orgulho aristocráticos do personagem central irão precipitá-lo na tragédia relatada na peça). Aliás, uma das grandes "sacadas" da adaptação foi dar a Coriolano uma aparência de contemporaneidade. Muitas cenas lembram a guerra na ex-Iugoslávia e, mais recentemente, os protestos provocados pela crise econômica na zona do euro. Sendo suscetível a diversas abordagens, destacarei apenas um ponto da peça - a (im)popularidade do protagonista - explorado de forma criativa no filme.

Após voltar de campanha militar bem sucedida contra os volscos, inimigos dos romanos e liderados pelo arquirrival Tulo Aufídio, o recém denominado Coriolano é escolhido, pelo senado, cônsul da república, cargo da alta hierarquia. Respeitando a tradição, porém, necessitará ter seu nome ratificado pelo povo (que, na opinião do líder militar, é um "monstro de mil cabeças", formado por "cães ordinários" e "fragmentos" de pessoas). O filme introduz um elemento impossível de se conceber no tempo de Shakespeare, mas que ajuda a ressaltar os elementos políticos, já por si evidentes, da peça: a atuação dos meios de comunicação, nas sociedades de massa, no que se refere à construção da imagem das figuras públicas (e por isso recomendaria a professores de História e Sociologia utilizar o filme em suas aulas no ensino médio).

Uma das cenas mais interessantes é a que exibe trecho de um programa jornalístico, ao estilo Canal Livre, no qual o âncora debate com dois especialistas sobre perfil e as chances de Coriolano, na tentativa de obter o cargo de cônsul. A cena reproduz o diálogo de abertura da cena II, no Segundo Ato da peça (os oficiais do texto original foram substituídos, no filme, pelo jornalista e os outros debatores do programa mencionado acima). Nesse diálogo, há uma análise sem rebuço do caráter das multidões (cito a tradução de Carlos Alberto Nunes*):

" Por minha fé, há muitos personagens de projeção que adularam o povo, sem nunca lhes terem dedicado a menor afeição, como a outros que o povo amou sem saber porquê.  Ora, se o povo ama sem saber porquê, também odeia sem maior fundamento. Assim, não se preocupando nem com o amor nem com o ódio que os plebeus possam votar-lhe, Coriolano prova que conhece prefeitamente a disposição de todos eles, o que revela à saciedade com sua nobre indiferença".

Quando, assustadoramente, vê-se que um candidato da espécie de Celso Russomano chegou a liderar as pesquisas de intenção de voto para prefeito na mais rica e importante cidade do Brasil, é difícil não concordar que o "povo ama sem saber porquê" e "também odeia sem maior fundamento".

Gostaria de falar sobre a atuação espetacular de Vanessa Redgrave, no papel de Volúmnia, a mãe de Coriolano, sobretudo na cena em que esta vai implorar clemência ao filho (cena III, Quinto Ato). Mas fica para outra ocasião.

* SHAKESPEARE, William. Coriolano; MacBeth. São Paulo: Melhoramentos, 195? [tradução de Carlos Alberto Nunes]. De novo, cotejando o texto desta tradução com as legendas em DVD, notei serem idênticas

BG de Hoje

Sem  dúvida, Truth é um dos melhores discos de rock de todos os tempos. Rod Stewart estava cantando muito em 1968 e JEFF BECK é sensacional. A melhor canção da dupla nesse disco, em minha limitada opinião - Let me love you - é o BG de hoje.