terça-feira, 6 de novembro de 2012

Em que consistem - ontem e ainda hoje - as "aulas de Português"? (I)



Este blog está empoeirando. Ando sem a mínima disposição para mantê-lo atualizado. Por enquanto, comento duas matérias que saíram na edição  de outubro da revista Língua Portuguesa (uma delas, nesta postagem; a outra fica para o fim da semana).

Em Guerra contra as legendas*, Carmen Guerreiro apresenta os resultados de uma pesquisa (Hábitos de consumo no mercado de entretenimento) encomendada ao Datafolha pelo Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do Município do Rio de Janeiro. A maioria das duas mil pessoas ouvidas (56%) quer assistir a filmes dublados nas salas de exibição. Segundo a reportagem,

"Cada vez mais, quem é frequentador assíduo do cinema quer filmes dublados. A média desse público cativo (o cinéfilo heavy) tem cerca de 30 anos, é da classe média e está cada vez mais escolarizado. As empresas de entretenimento dizem que os filmes dublados têm mais sucesso em regiões mais populares e menos centrais das cidades. Qualquer conclusão a partir disso é suposição, mas o empresário do setor intui que um público mais velho e de menor escolarização mantém hábitos culturais herdados da TV aberta e tem pouco hábito de leitura de legendas".

Mas o que esse assunto tem a ver com as aulas de Português colocadas lá no título? Tento explicar.

Fui regente (professor não habilitado **) de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Educação, aqui de Minas, por cerca de um ano. Pouquíssimo tempo, é verdade, mas suficiente para constatar quanto o ambiente escolar é embrutecedor, frustrante e causador de esgotamento mental (depois disso, nunca mais tive coragem de dar aulas, um dos motivos que me levaram a abandonar o curso de Letras). NOTA: Por incompetência - ou por uma razão "menor", como contas para pagar - continuo, desaforadamente, trabalhando em escolas de educação básica (agora em outra função).

Pois bem. As aulas de Português até a década de 1990 - inclusive as minhas - apenas corroboravam o discurso normativista, baseado nas noções simplistas e vazias do "certo" e do "errado", incluindo "pegadinhas" nos exercícios, testes e provas. Pelo que sei, didática e pedagogicamente, as coisas continuam na mesma: a língua portuguesa, na escola, é vista como espécime a ser dissecado e não como elemento vivo de comunicação e expressão.

Voltando ao ponto ora em discussão. Como, paradoxalmente, lê-se e escreve-se muito pouco nas aulas de Português (além do fato das aulas de Língua Estrangeira na educação básica serem péssimas - isso quando simplesmente deixam de acontecer, não permitindo atividades comparativas interdisciplinares), não é de se estranhar que as cópias dubladas sejam cada vez mais presentes no mercado do entretenimento, pois estudantes que leem e escrevem cada vez menos, qualitativamente falando, não terão paciência nem concentração para acompanharem as legendas.

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Necessário fazer a seguinte ressalva: a matéria aventa outra razão para a preferência por filmes dublados, citando a opinião de Patrícia Cotta, gerente de marketing da rede Kinoplex:

"A dublagem não se limita só a traduzir o filme ao pé da letra, há um cuidado em adaptar os diálogos, o humor, a maneira de falar de cada país, o que faz com que, na opinião de grande parte do público, o filme tenha mais afinidade à sua realidade cultural".

Acho, aliás, a dublagem brasileira muito boa. E preciso reconhecer que, mesmo preferindo assistir filmes com legendas, no caso dos desenhos animados, só vejo (e me divirto mais) com a mediação dos dubladores aqui do pais.

Na sexta-feira discuto um artigo do linguista Sírio Possenti.
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* Guerra contra as legendas. Língua Portuguesa, São Paulo, ano 8, n. 84, out. 2012. p. 18-19. A matéria é assinada por Carmen Guerreiro
 
** Não sei como é hoje, mas nos anos 1990, aqui em Minas Gerais, a Secretaria Estadual de Educação contratava estudantes universitários para dar aulas em escolas públicas. Foi assim que virei um "professor não habilitado", ou seja, sem ter terminado a licenciatura.

BG de Hoje

Convivendo diariamente com gente que, se não fosse pra manter as aparências, nem sequer cumprimentaria, nunca deixo de  recordar famosa frase do Mario Quintana (mas não me lembro em qual livro): " Se eu amo a meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?". E, por outras razões, acabo associando-a ao refrão de uma ótima canção do PATO FU: " Eu/queria tanto encontrar/uma pessoa como eu/a quem eu possa confessar/alguma coisa sobre mim".