"O futuro, ao que parece, está sendo inventado por uma equipe de crianças crescidas com doutorado"
Michio Kaku
Encerraria hoje a série de postagens sobre Neuromancer. Farei isso mais adiante. É que li recentemente dois artigos muito bons e que, de certo modo, estão relacionados com o assunto das últimas postagens.
Em Tecnolatria antropofágica *, Alexandre Quaresma faz oportuna crítica ao oba-oba que costuma caracterizar a relação das pessoas com as bugigangas eletrônicas de última geração e alerta para algo óbvio, mas frequentemente esquecido: "Desenvolvimento material - seja científico, seja tecnológico - não significa, necessariamente, desenvolvimento humano [...]"
O articulista, claro, reconhece que a criação e adição de novas tecnologias é parte inseparável da história e da trajetória humana. Menciona, contudo, um outro aspecto da tecnização progressiva da vida do homo sapiens, acentuada na pós-modernidade:
"[...] essa mesma tecnização ameaça transformar os integrantes desta humanidade em algo que não seria mais humano no verdadeiro sentido do termo, pois estaríamos prestes a investir pesado em técnicas bionanotecnocientíficas tão brutais e impactantes (clonagem, adição de próteses maquínicas ao corpo, manipulação genética, implantes neurais, transgenia, entre outras tantas) , que estas técnicas seriam de fato reestruturadas no que tange degenerações ontogenéticas e até filogenéticas, práticas e também simbólicas do que consideramos hoje um humano".
Para o autor, passamos a mitificar a ciência e as tecnologias produzidas a partir de suas atividades. Essa mitificação leva, frequentemente, a avaliações ingênuas e superficiais :
"Não há um só assunto relativo a projeções de cenários futuros para a humanidade que não possa ser resolvido - dizem os tecnólatras - com o auxílio luxuoso dela (Tecnociência). O que estes obnubilados parecem esquecer é que a maioria dos problemas (ambientais e sociais, axiológicos e também culturais) que enfrentamos na atualidade se originaram deste mesmo processo de tecnização exacerbado que em tudo interfere, altera e reconfigura".
Quaresma aponta para o desafio ético a se desenhar e pergunta: "Teremos a sabedoria e o discernimento necessários e suficientes para, neste contexto complexo e multifacetado, arbitrar sobre o que seriam atos dignos ou indignos para a nossa própria humanidade e também para o planeta em termos de Ciência e Tecnologia?"
Por sua vez, João de Fernandes Teixeira, em A imortalidade digital ** cita uma previsão feita pelo norte-americano Ray Kurzweil: "antes do final deste século, poderemos fazer o download do nosso cérebro na Internet". Marvin Minsky é outro que acredita na "possibilidade de preservação do software de cérebros humanos por tempo indeterminado através de uma criogênese digital". NOTA: Há um personagem em Neuromancer - McCoy Pauley, o Linha Plana - que é "um constructo, um cartucho ROM substituindo os talentos, obsessões e até os reflexos do joelho de um homem morto". Essas ideias - associadas a avanços medicinais e biotecnológicos - induzem alguns a falar em imortalidade (ou, pelo menos, num prolongamento da duração da vida sem precedentes). O que leva Teixeira a formular algumas questões: "Nossos corpos se tornarão biônicos, mas o que ocorrerá com nossas mentes? Será que nosso psiquismo está preparado para suportar os gostos e desgostos pelos quais passaremos numa vida que pode durar 200 anos? Será que os chips implantados no cérebro poderão expandir áreas específicas da memória e suprimir outras?"
E como estamos no terreno da pura especulação, também dou meu pitaco: chegará o dia em que o corpo, apenas carnal, se tornará obsoleto?
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Já que venho falando de ficção científica nas últimas semanas aproveito para mencionar a matéria publicada na edição de março deste ano da (sempre ótima) revista
Ciência Hoje das Crianças ***. Mesmo sendo voltada para o público infantil, há logo na abertura do texto uma apropriada conceituação do gênero e tem a ver com o que discuti ao escrever sobre Ray Bradbury (
clique aqui).
"O termo ficção científica (ou FC) refere-se às histórias em que acontecem situações fora do comum, mas que - preste atenção agora! - são explicadas pela ciência. Ou, pelo menos, deveriam ser, já que muitas vezes os autores criam essas situações com base em possibilidades reais. Eles podem falar, por exemplo, de uma tecnologia ainda não disponível, um vírus desconhecido ou uma guerra que não aconteceu. O importante é que, por mais imaginativas que sejam as histórias, a explicação por trás delas sempre deve estar ligada às leis que regem nosso universo e não à magia ou ao sobrenatural. Nesse caso, trata-se de fantasia e não de ficção científica, mesmo que o cenário seja o futuro de uma galáxia situada a anos-luz da Terra".
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* QUARESMA, Alexandre. Tecnolatria antropofágica. Sociologia, São Paulo, ano IV, n. 40, jun/jul. 2012, p. 22-25 [Editora Escala]
** TEIXEIRA, João de Fernandes. A imortalidade digital. Filosofia Ciência & Vida, São Paulo, ano VI, n. 72, jul. 2012, p. 52-53 [Editora Escala]
*** MEREGE, Ana Lúcia. Histórias inventadas com um pezinho na realidade. Ciência Hoje das Crianças, Rio de Janeiro, ano 25, n. 232, mar. 2012, p. 2-6
BG de Hoje
Eu fico sempre encantado com a simplicidade e a beleza na execução deste clássico do samba (composto por Silas de Oliveira e Joaquim Harindo). Meu drama, interpretado por RENATO BRAZ.