quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Poesia: questão de tudo ou nada? (11)



"Não sei palavras dúbias. Meu sermão
Chama ao lobo verdugo e ao cordeiro irmão.


Com duas mãos fraternas, cumplicio
A ilha prometida à proa do navio.


A posse é-me aventura sem sentido.
Só compreendo o pão se dividido.


Não brinco de juiz, não me disfarço em réu.
Aceito meu inferno, mas falo do meu céu".


José Paulo Paes, em Poética (1958)

 
 
Antes de iniciar uma conversa em torno da poesia de José Paulo Paes, gostaria de lamentar aquilo que considero um grave defeito na edição de sua Poesia completa*.

Quando comprei o livro fiquei muito decepcionado por não encontrar nenhum de seus trabalhos voltados para o público infantil. Nem Olha o bicho, nem Poemas para brincar, nem Vejam como eu sei escrever (este último, o meu preferido). Essas e outras obras para crianças não integram a Poesia completa de José Paulo Paes. Então, que "poesia completa" é esta?

Suponho que o motivo para excluir os trabalhos citados deve estar relacionado a um provável preconceito em relação à Literatura Infantil, considerada "coisa menor" ou de valor estético/artístico questionável. Se esse é o caso, é pena. Paes, em minha opinião, escreveu alguns de seus melhores textos pensando justamente num leitor-criança.

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No livro Epigramas, publicado em 1958, podem ser observadas algumas características do fazer poético de José Paulo Paes. O título da publicação, aliás, reforça isso, já que a escrita epigramática - breve, direta, com mordacidade - acompanhará o trabalho desse poeta até o fim de sua vida. Atentemos, por exemplo, no poema que está no início desta postagem e neste outro abaixo, A uns políticos:

"Depois de nós, o dilúvio.
Entrementes, de Javé
Poupada, fulge Sodoma,
Capital de nossa fé.

Mas se a chuva acontecer
(Há tempo de sobra até),
Adeus, que somos marujos
Da equipagem de Noé.

O poeta concatena, no texto anterior, dois quartetos de versos heptassílabos, de ritmo bem simples, valendo-se de episódios bíblicos bastante populares, para criticar as atitudes nada cidadãs de certa "classe profissional" deveras malquista neste país.

A poesia de José Paulo Paes é econômica e sem hermetismos, mesmo nos textos mais surrealistas do primeiro de seus livros (O aluno, publicado em 1947). Essa economia e essa clareza, entretanto, não significam superficialidade. Falo disso na próxima atualização.
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* PAES, José Paulo. Poesia completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008

BG de Hoje

Taí uma canção contagiante: The ballad of John and Yoko (THE BEATLES). Ritmo e arranjo instrumental sensacionais. Um refrão que brinca com o lado negativo do fato de ser um popstar (e ainda remete àquela polêmica frase "somos mais famosos - ou populares - do que Jesus Cristo"): "Christ, you know it ain't easy/ you know how hard it can be/The way things are going, they're going to crucify me" (link para o vídeo)