"Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é principalmente sua própria conservação e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro".
Thomas Hobbes - Leviatã
Antes de falar do principal livro publicado pelo filósofo inglês Thomas Hobbes (Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil)*, pensei que talvez possa interessar ao (à) leitor(a) o "percurso" que me levou a ele.
Quando era estudante do Ensino Médio (na época, simplesmente 2º Grau) ganhei um exemplar da coleção Os pensadores que continha esse texto na íntegra. Ele me foi dado por um ex-professor, junto com outros títulos usados (mas muito bem conservados), alguns dos quais ainda hoje mantenho comigo. Li o texto naquela oportunidade e, como era de se esperar, não entendi quase nada. Mas andava com ele pra cima e pra baixo, "fazendo charme de intelectual". Fiquei também um pouco decepcionado porque não é no Leviatã que se encontra a mais famosa frase de Hobbes - "o homem é o lobo do homem" - que eu conhecia graças ao currículo escolar e à canção do Caetano Veloso (a frase está no livro Sobre o cidadão).
Mas mesmo sem ter compreendido a obra naquela primeira leitura, uma forte certeza se formou em mim: o pensador inglês fez questão de impregnar seu texto com um ceticismo amargo. Eu já enxergava a existência humana de modo extremamente pessimista, no fim da adolescência, e o Leviatã não destoava dessa concepção que nunca me abandonou, mesmo agora na madureza. Após a primeira leitura, o livro ficou hibernando em minha estante cheia de espaços vazios.
No final dos anos 1990, no pouco tempo em que frequentei o curso de Ciências Sociais, fui aluno de um ótimo professor de Política no 2º período. Mitre (era esse seu sobrenome) resolveu que seu plano de aula ia ser estruturado a partir do estudo de autores clássicos da filosofia política: Maquiavel, Locke, Montesquieu, Rousseau e, claro, Hobbes. Foi minha segunda leitura do Leviatã, mais rica e aprofundada. E de lá pra cá nunca mais parei de lê-lo.
A essa altura o(a) leitor(a) já não tem dúvidas de que este é um dos meus livros prediletos.
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Os sistemas políticos foram progressivamente, ao longo da História, rejeitando as ideias de Thomas Hobbes - poder altamente centralizado e rígido controle/censura sobre o pensamento e sobre o direito e a expressão individuais. O Absolutismo teve curta duração (pelo menos no Ocidente) e boa parte dos Estados apostou na democracia liberal e no regime republicano, com a tradicional divisão dos Três Poderes.
Ainda assim, há algo no pensamento hobbesiano aplicável à análise política da atualidade; agora, porém, não mais no âmbito da nação e sim nas relações internacionais. Atentemos para este trecho do Leviatã (cap. XXI, parte II, Da liberdade dos súditos)
"Porque tal como entre homens sem senhor existe uma guerra perpétua de cada homem contra seu vizinho, sem que haja herança a transmitir ao filho nem a esperar do pai, nem propriedade de bens e de terras, nem segurança, mas uma plena e absoluta liberdade de cada indivíduo; assim também, nos Estados que não dependem uns dos outros, cada Estado (não cada indivíduo) tem absoluta liberdade de fazer tudo o que considerar (isto é, aquilo que o homem ou assembleia que os representa considerar) mais favorável a seus interesses. Além disso, vivem numa condição de guerra perpétua, e sempre na iminência da batalha, com as fronteiras em armas e canhões apontados contra seus vizinhos a toda a volta".
Hobbes transfere seu "individualismo metodológico" para a análise dos conflitos internacionais. E se pensarmos um pouco, não se trata de uma observação destituída de sentido. Basta lembrar da impotência da ONU e outros organismos mundiais para coibir a violência de seus membros, principalmente aqueles com maior poderio militar...
Entretanto, não tratarei desse tema (não sou tão pretensioso a ponto de discutir política internacional). Quero, isso sim, voltar ao termo individualismo metodológico. Pois foi com essa ferramenta simples que Hobbes construiu seu conjunto de reflexões. Seguindo o preceito do Nosce te ipsum (conhece-te a ti mesmo), o filósofo inglês procurou mostrar que o estado natural dos seres humanos é caracterizado pela "guerra de todos os homens contra todos os homens" (e não a convivência pacífica e harmoniosa), tornando a vida "solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta".
Na próxima semana, tentarei explicar como o individualismo metodológico manifesta-se na obra de Hobbes e se esta pode mesmo funcionar como "autoajuda".
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* HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979 [tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva] (Coleção Os pensadores)
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