"Enquanto
o homem permaneceu cativo de seus instintos, batalhando apenas para
atender às necessidades, não passou de um animal. Somente quando foi
capaz de morrer por uma coisa inútil, quando entregou toda sua energia
e arriscou a vida para desenvolver a capacidade criadora é que se
tornou efetivamente um ser humano. A arte foi a descoberta apaixonada
daquilo que não é essencial à subsistência".
Fábio Lucas
Ao (à) leitor(a) habitual do Sinistras Bibliotecas, peço desculpas. Não estou dando a devida atenção à blogosfera nesses últimos dias. Há, contudo, uma explicação.
Boa
parte de minhas atividades como servidor público está relacionada à
promoção da leitura e à formação do leitor e alguns períodos, ao longo
do ano letivo, são considerados mais propícios para tentar atingir
esses objetivos. Por essa razão, estou agora - e estarei pelos próximos
três meses, pelo menos - envolvido direta e intensamente com diversas
turmas de estudantes, principalmente do 1º Ciclo do Ensino Fundamental
(6 e 8 anos de idade, na média). São uma das prioridades de meu
trabalho e minha persona na web acaba ficando um pouco inativa. Vamos tentar, todavia, não extinguir a discussão iniciada semanas atrás.
. . . . . .
Em 1997, o crítico literário Fábio Lucas (na época, presidente da União Brasileira de Escritores) publicou um pequeno artigo* que muito me fez pensar - e ainda faz. Em Literatura fora dos trilhos, o autor não aborda apenas a produção poética, mas expõe sua visão do "sistema literário" como um todo, sobretudo no que se refere ao contexto nacional:
"A
sociedade está sendo dirigida para impor uma educação cada vez mais
técnica, o que equivale dizer cada vez menos literária. Enquanto isso,
aumenta o número de escritores sem público. Desapareceram as convenções
sociais que amparavam a literatura que, por sua vez, se desfez de
convenções confiáveis que ditam os parâmetros da qualidade e alimentam
os juízos críticos. Faltam cânones e exemplos. Há muito se abandonaram
os Clássicos como fonte de consulta, dignos de imitação. O sistema
literário entrou em pane".
Fábio
Lucas analisa, entre outras coisas, a relação da Literatura com a
imprensa, com a mídia eletrônica, com o mercado e com o público. Sobre
este último ponto, ele afirma (e eu concordo ) que
"A
autoridade do discurso literário decorre de um permanente plebiscito
dentro da sociedade em que o discurso transita, pois este não passa de
um ato permitido pelo colegiado de leitores. Mesmo diante de uma
ilusória individualidade, que o experimentalismo levou às últimas
consequências, a sanção do consenso coletivo é que faz com que o autor
seja ouvido e respeitado, pois o coletivo é que é o guardião das
palavras correntes".
Mas ele também adverte, citando Gilles Deleuze, que essa "subordinação ao coletivo" pode acabar implicando "opressão institucional, uma ideologia".
Falando especificamente sobre textos em verso, Lucas acredita que
"Estamos
praticando duas classes de poesia que lembram a dissociação da
sensibilidade acusada por T. S. Elliot e enfatizada por Blackmur, que
não tinha o menor respeito pelo pensamento alheado dos sentidos: o
raciocínio sem sentimento e o sentimento sem raciocínio".
O que se encontra hoje nos poemas? De acordo com o ensaísta,
"A
fabricação publicitário-industrial-construtivista, derivada da
propagação e da deterioração do concretismo, apresenta-se como uma
periferia macarrônica ligeiramente ignorante. Produz esqueletos verbais
sem alma. Paralelamente, move-se uma avalanche de apelos sentimentais,
num desregramento repetitivo de declarações de amor ou de sofrimento,
de leitura tediosa. Alimenta a tradição narcísea de nossa época.
Formalmente, estamos caindo num minimalismo, composto de flashes
verbais que imitam o vídeo-clipe".
A respeito dessa "tradição narcísea de nossa época", Fábio Lucas é preciso quando afirma que
"Os
autores geralmente não tomam conhecimento do trabalho de seus
contemporâneos. Não os estudam, aplaudem ou atacam. Devotam-lhes a
indiferença, a mesma confiança aos antigos. Numa coleção de 60
depoimentos de escritores brasileiros, não encontramos nenhuma
referência a contemporâneos. Nenhuma análise de tendências, nenhuma
contestação de procedimentos. Todos se preocupam com sua própria obra e
o seu provável circuito no mercado consumidor. Os anjos rebeldes de
nosso tempo estão contidos pela vaidade".
Na próxima postagem, Octávio Paz e mais uma tentativa de conceituação.
* LUCAS, Fábio. Literatura fora dos trilhos. Estado de Minas, Belo Horizonte, 27 set. 1997, p. 3, Caderno Pensar
BG de Hoje
Uma das músicas seminais para a consolidação do heavy metal: Iron Man, do BLACK SABBATH.