"Nos
tempos cada vez mais congestionados que nos esperam, a necessidade de
literatura deverá focalizar-se na máxima concentração da poesia e do
pensamento".
Italo Calvino - Seis propostas para o próximo milênio
Nos anos 1980, Italo Calvino foi convidado a proferir as tradicionalíssimas e prestigiosas Charles Eliot Norton Lectures,
em Harvard. Infelizmente, faleceu antes da data estipulada para o
evento, deixando até mesmo de concluir a redação da última delas.
Graças ao trabalho de Esther Calvino, porém, as cinco já escritas foram
publicadas, inclusive no Brasil*.
O tema das conferências centrava-se em "alguns valores literários que mereciam ser preservados" nos tempos que virão, segundo o escritor italiano.
Calvino partia do princípio de que os mil anos anteriores ao século XXI foram "o milênio do livro". E um sinal de que essa era está no fim poderia ser encontrado na "frequência com que nos interrogamos sobre o destino da literatura e do livro na era tecnológica dita pós-industrial". Ele, contudo, não desejava fazer previsões nessa área e mostrava-se otimista: "Minha
confiança no futuro da literatura consiste em saber que há coisas que
só a literatura, como seus meios específicos, nos pode dar".
Já que falamos da velocidade, nas postagens anteriores, como uma das características mais marcantes
desses nossos dias internéticos, vale a pena ler o que Calvino escreveu
a respeito da RAPIDEZ, um "dos valores ou qualidades ou especificidades da literatura que [lhe] são particularmente caros, buscando situá-los na perspectiva do novo milênio".
Em determinado trecho de sua conferência, o autor de As Cidades Invisíveis reconhece
"[...] que a literatura jamais teria existido se uma boa parte dos seres humanos não fosse inclinada a uma forte introversão, a um descontentamento com o mundo tal como ele é, a um esquecer-se das horas e dos dias fixando o olhar sobre a imobilidade das palavras mudas".
Entretanto, anteriormente, ele já havia afirmado que "[...] numa época em que outros media
triunfam, dotados de uma velocidade espantosa e de um raio de ação
extremamente extenso, arriscando reduzir toda comunicação a uma crosta
uniforme e homogênea", a arte literária, diante de tal "concorrência", precisará, de algum modo, ser também mais veloz. Para tanto, o êxito do escritor, tanto em prosa quanto na poesia, estará, de acordo com Calvino,
"[...] na facilidade da expressão verbal, que em alguns casos pode realizar-se por meio de uma fulguração repentina, mas que em regra geral implica uma paciente procura do mot juste, da frase em que todos os elementos são insubstituíveis, do encontro de sons e conceitos que sejam os mais eficazes e densos de significado. Estou convencido de que escrever prosa em nada difere do escrever poesia; em ambos os casos, trata-se da busca de uma expressão necessária, única, densa, concisa, memorável".
Cabe aos poetas e prosadores do novo milênio refletirem (ou não) sobre essa proposta.
Na próxima, Lima Barreto e Jacques Rancière.
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* CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São Paulo: Companhia das Letras, 1990 [tradução de Ivo Barroso]
BG de Hoje
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