sexta-feira, 19 de setembro de 2025

A apreciação do texto literário

 

Quando se usa a expressão  crítica literária  numa conversa em que filigranas conceituais podem ser deixadas de lado, qual é o entendimento desse termo? O que é, para que serve, como fazê-la?

Nessa conversa hipotética, pode-se dizer, sem rodeios, que crítica literária é a opinião de alguém, conhecedor(a) de literatura - assim se supõe -, sobre um (ou vários) texto(s) literário(s). 

Não acho uma definição das piores. É simples e compreensível. 

Prosseguindo o bate-papo, poder-se-ia acrescentar que essa opinião geralmente busca enfatizar o  valor  (isto é, supostas qualidades e méritos) do(s) texto(s) criticado(s) ou apontar seus supostos defeitos e falhas, se assim decidir a pessoa que assina/profere a crítica, pois, na maior parte das vezes, essa opinião é enunciada publicamente. Espera-se, portanto, que a crítica sirva como orientação, incentivo ou advertência para outros leitores.

Vamos complicar um pouquinho mais as coisas.

Por que deveríamos aceitar a legitimidade do indivíduo que faz a crítica? Por que a sua opinião deveria ser levada mais em conta do que outras? 

Como foi dito acima, presumem-se um conhecimento especializado ou um olhar de estudioso por parte da pessoa que faz a crítica. Atualmente, é muito provável que esse conhecimento ou esse olhar advenham de formações e cursos no âmbito universitário/acadêmico. Mas podem ser também o resultado da experiência acumulada em muitos e muitos anos de leituras particulares - um fecundo diletantismo, nesse caso. Bastante frequente, há ainda os escritores e as escritoras que, paralelamente a seu trabalho de criação artística, dedicam uma parte de seu tempo à análise de outras produções literárias (recentemente, para exemplificação, li um ensaio sensacional de Thomas Pynchon, publicado há cerca de 20 anos sobre o  1984,  de Orwell). De uma maneira ou de outra, não teríamos motivo para não atestar a competência da pessoa que faz a crítica nessas situações.

Por aí se percebe que há opiniões e opiniões, isto é, algumas delas seriam mais fundamentadas, teriam mais tutano, mais "sustança", do que outras.

Não faz muito tempo, estava lendo os textos de Umberto Eco reunidos em  A definição de arte.  Escritas entre o final dos anos 1950 e início da década ulterior, as reflexões, apesar do título do volume, voltam-se mais para a discussão de concepções estéticas do que para a formulação de um conceito cabal de arte (a noção de  obra aberta , fundamental dentro do pensamento do filósofo e escritor italiano, é uma dessas concepções). No ensaio  Notas sobre os limites da estética ¹, ele observa: 

[...] a ação do crítico (entendido aqui como intérprete qualificado, como fruidor por excelência) consiste precisa e substancialmente em narrar uma experiência de compreensão, a experiência de um encontro em que jogam as tendências pessoais e a realidade objetiva da obra compostos num ato vital de interrogativas e confrontos, de adesões instintivas e carregadas de valor heurístico e de repulsas que devem ser avaliadas e revistas à luz dos passos já dados e dos elementos objetivos que temos diante de nós".

A pessoa que faz a crítica, por mais intelectualmente equipada que esteja, não deixará (na verdade, não pode deixar) de lado sua subjetividade ( tendências pessoais ) durante o "diagnóstico": sua apreciação ampla, seu esforço de entendimento a partir do objeto examinado (poema, conto, romance, etc., pois estamos falando de crítica literária nesse caso) dependem tanto daquilo que está de fato contido nos textos (os elementos objetivos ) quanto de seu repertório cultural e de suas inclinações particulares (em grande parte das vezes, são essas últimas que impulsionam a análise).

Para Eco, "a obra de arte constitui um fato comunicativo que pede que seja  interpretado  e, portanto, integrado, completado por um aporte do fruidor, aporte este que varia conforme os indivíduos e as situações históricas e que é constantemente medido em referência àquele parâmetro imutável que é a obra enquanto objeto físico".  Cabe dizer aqui (como fora enfatizado pelo autor italiano noutras oportunidades, em escritos posteriores) que existem limites para o alcance do olhar do fruidor. Por vezes, alguns intérpretes atribuem certos significados e traços a uma obra que não encontram sustentação em sua base material (no caso da literatura, essa base é o texto em si) e elementos paratextuais (como a biografia do/a escritor/a ou a observação do período histórico em que a obra foi gestada, por exemplo), que poderiam ser invocados em apoio, não dão conta de corroborar aquilo que está a ser a atribuído. Nem toda interpretação é válida: leituras muito afastadas (às vezes inteiramente desvinculadas) do objeto examinado em nada auxiliam na melhor compreensão deste, obviamente.

Assentindo com o filósofo Enzo Paci, Umberto Eco vai afirmar que "um crítico não diz dogmaticamente 'isto é belo - isto é feio', mas conta (com rigor e acuidade) a sua experiência de interpretação, pedindo a concordância de todos, fruidores mais ou menos qualificados, que enfrentam o mesmo esforço de compreensão". Antes, ele já havia escrito que "diante de uma obra de arte, o mais importante é um processo de interpretação: aquilo que importa é uma compreensão crítica, não um juízo de valor expresso em termos dogmáticos e simplistas".

É de se notar que o próprio Eco não foi exatamente um crítico literário. No texto que fecha o livro -  Um balanço metodológico ² -, ele declara : "Antes de definir minha dívida para com a crítica anglo-saxônica, devo precisar alguns pontos. Antes de tudo, não desenvolvo uma atividade crítica no sentido corrente do termo: burocraticamente falando, pertenço ao  genus  dos filósofos e dedico-me à estética". Sendo um estudioso dos modelos estruturais das várias poéticas, reconhece, contudo, que os resultados de parte de seu trabalho "podem ser utilizados como contribuição à compreensão crítica de uma obra ou de um autor". Ao final desse ensaio, o autor registra uma importante argumentação a respeito da necessidade de evitar as apreciações de caráter taxativo sem deixar, contudo, de se estabelecer um posicionamento diante da obra: 

"Minha definição da arte, como forma na qual os valores (o  antes  que está na origem da obra e o  depois  ao qual se dirige a obra) só se resolvem em estrutura e se tornam importantes na medida em que essa estrutura tenha valores próprios, prevê também que uma obra de arte pode transmitir um universo de valores que julgo negativos. Mas essa ordem que assumiram na forma artística poderá, por um lado, ajudar-me a estabelecer relação com eles na base de uma simpatia e de uma compreensão mais profundas. Por outro lado, é possível que diante da obra eu compreenda os valores que ela comunica e que, ainda assim, não aceite. Nesse caso, posso discutir uma obra no plano político e moral e posso rejeitá-la, contestá-la, justamente porque é uma obra de arte. Isso significa que a Arte não é o Absoluto, mas uma forma de atividade que estabelece uma relação dialética com as outras atividades, outros interesses, outros valores. Diante dela, na medida em que reconheço a obra como válida, posso operar minhas escolhas, eleger meus mestres. A tarefa do crítico pode ser também e especialmente esta: um convite a escolher e a discernir. Cada um de nós, lendo uma obra literária, ainda que professe os critérios técnico-estruturais aqui expostos, deve e pode encontrar uma relação emocional e intelectual, descobrir uma visão do mundo e do homem. É justo que existam pessoas com a sensibilidade mais apurada que nos comuniquem as suas experiências de leitura que possam se tornar nossas também".

Começamos por uma definição simples do que seria a crítica literária ( a emissão de opiniões sobre obras literárias por parte de um conhededor ). Nessa altura da postagem, contudo, a partir das observações de Umberto Eco,  verificamos que o ofício consiste (ou pelo menos deveria consistir) em realizar, com o maior zelo possível, uma  interpretação  da criação artística que se está a observar, ultrapassando os comentários superficiais derivados de uma avaliação por demais terminante.

O tópico  literatura  sempre foi preponderante neste blog e nos outros dois que o antecederam. Mas nunca me dispus a escrever resenhas de livros, muito menos me atrevi a fazer crítica literária em nenhum deles. Assim sendo, que diabos acontece aqui no  Besta Quadrada  quando o assunto é um poema, um conto, um romance?

Antes de responder, gostaria de trazer para essa conversa um pequeno artigo de José Castello, publicado no jornal  Rascunho,  em agosto de 2011 ³ , cujo título é a indagação  A crítica literária existe?

Em seu texto, procurando designar a quem poderia caber a tarefa da crítica, Castello aponta uma distinção entre os teóricos da universidade, "que fazem percursos rigorosos, se submetem a leituras metódicas e se filiam a essa ou àquela nobre corrente de pensamento", e os resenhistas da imprensa (em sua maioria jornalistas de profissão), "igualmente respeitáveis, escrevendo desde a perspectiva da 'não-especialização'. Mais ensaístas do que teóricos", oferecendo textos mais informativos do que reflexivos. Ele não deixa de assinalar que alguns integrantes dos quadros acadêmicos por vezes escrevem na imprensa, em páginas eventualmente reservadas para tratar das produções literárias, mas os jornalistas, naturalmente, são a imensa maioria no setor. Diferentemente dos professores e pesquisadores universitários, os jornalistas (e ele faz parte desse segmento) "não temos compromisso algum com tradições teóricas, com sistemas, com conceitos. Escolhemos nossos livros estimulados pelas ofertas do mercado, pelas modas e ainda pelo apreço à surpresa; e não empurrados por esse ou aquele percurso intelectual".

O articulista se pergunta: no Brasil atual, teóricos da universidade e resenhistas da imprensa estão fazendo crítica literária? 

Sua resposta é não, pois, segundo ele (reconhecendo a vulnerabilidade de seu posicionamento), esse exercício deixou de existir.

Anteriormente em seu artigo, José Castello mencionara críticos importantes do passado (Álvaro Lins, Otto Maria Carpeaux, Sérgio Milliet, Wilson Martins) e desfecha: "Homens do século 20. Posso concluir: crítica literária, atividade do século 20 também". O trabalho de Antonio Candido também fora lembrado, como sendo o pioneiro no Brasil a levar a crítica literária, que era feita somente nos jornais (e, devido à ótica não-especializada do colunista do jornal, muitas vezes incorria num julgamento excessivamente apaixonado),  para dentro das salas das universidades. A partir da criação dos cursos específicos de Letras no país (aqui em Belo Horizonte, no ano de 1940, ainda dentro da Escola Livre de Filosofia e Ciências, mais tarde incorporada à instituição que se tornaria a UFMG), abre-se espaço para o surgimento de disciplinas afeitas à atuação do crítico.  Silviano Santiago, Leyla Perrone-Moisés, Antonio Carlos Secchin são alguns dos exemplos de grandes teóricos e críticos literários egressos das faculdades de Letras citados no artigo, o que não é suficiente para Castello  consentir  com a adequação da expressão  crítica literária  como um termo pertinente para se referir "ao trabalho severo"   desenvolvido dentro do meio universitário relacionado à literatura.

E quanto à atuação de jornalistas, como ele, que escrevem sobre o assunto? No seu caso, o articulista diz narrar suas "impressões, [falar] dos pensamentos que a leitura despertou, das associações que [esta] motivou, dos livros que [esta o] levou a reler",  dentro das colunas que publica (na época desse artigo, ele escrevia no hoje extinto caderno Prosa & Verso, do Globo ). O trabalho resultante seria um gênero textual "híbrido - que nem é resenha, nem é teoria, tampouco é crítica literária também"  (Castello se descreve como um cronista).

Ele especula que a expressão  crítica literária  é atualmente empregada mais para intimidar do que propiciar acolhimento. E que isso talvez "desperte mais suspeitas do que confiança".  Seu texto termina assim:

"Declarar-se crítico literário é, quem sabe, pretender uma autoridade que, hoje, ninguém mais tem. Se o crítico não é um juiz que aprova ou desaprova, se ele não é um especialista em aferição de qualidades, se não é um severo inspetor de 'boa escrita', como eu penso que ele não é, o que sobra para o crítico? Sobra ser um leitor. Um leitor comum, para quem a paixão dá sempre a última palavra".

Levanta-se uma boa questão nesse artigo, mas não consigo concordar com ele. 

Admito não me lembrar agora de ninguém, na grande imprensa empresarial atual, que se destaque como crítico ou como resenhista (deve-se mencionar também que suplementos, seções especiais ou áreas destacadas nos sites abordando produções literárias são uma raridade hoje em dia nos grandes jornais brasileiros). Por seu turno, o "trabalho severo" dos teóricos universitários não costuma alcançar grande receptividade fora do ambiente acadêmico (por uma série de fatores, sobre os quais talvez valha a pena discutirmos noutra oportunidade). E acho que José Castelo está correto ao recusar a figura do crítico como um avaliador implacável, cravando etiquetas a torto e a direito.

Entretanto, a meu ver, a crítica literária não deixou de existir. Além disso, não sei se dá para denominar uma parcela importante das pessoas que se dedicam a esta atividade como  leitores comuns.

Preciso também fazer agora uma distinção (parecida com a de Castello) entre o que vou chamar de  comentários genéricos (sobre literatura) e  abordagem universitária (da literatura)  :  a diferenciação é apenas para facilitar aquilo que pretendo expor na sequência. 

Por comentários genéricos, entendo as (poucas) notas ou matérias publicadas na imprensa hegemônica  (no formato impresso ou na internet), em sua maioria assinadas por jornalistas, tratando de livros lançados recentemente ou recuperando escritos publicados há mais tempo (incluindo obras canônicas), geralmente com o objetivo de enaltecer ou (com menor ocorrência) detratar o(s) volume(s) em questão ou seus(suas) autores(as). Importante dizer que a internet, como não poderia deixar de ser, facilita muito a disseminação desse tipo de avaliação, sem que esta necessite estar atrelada a um veículo jornalístico: muitos dos vídeos feitos pelos chamados  booktubers  e  booktokers  (sendo estes e estas jornalistas ou não) também são exemplos desses comentários genéricos. O público-alvo de opiniões assim está buscando um ponto de vista mais direto para orientar suas escolhas (às vezes, querendo saber simplesmente se um tal ou qual livro seria  bom  ou  ruim  de acordo com o comentarista) ou apenas manter-se informado. Parte significativa do público considera e se refere a esses comentários como um tipo de crítica literária (e gosta de saber qual a nota ou a quantidade de estrelas que determinado livro recebeu).

abordagem acadêmica, como não poderia deixar de ser, segue os ritos da produção textual universitária, com a terminologia e o rigor próprios dos especialistas. Nesse enfoque, as obras literárias costumam suscitar  pesquisas : por essa e por outras razões, espera-se maior profundidade neste tipo de análise. Esses estudos aparecem em artigos publicados em periódicos vinculados a universidades e outras instituições de ensino superior (naturalmente, a depender do fôlego da investigação, aparecem também na forma de dissertações extensas ou teses). Não estou certo se o público em geral entende os textos da abordagem acadêmica como uma forma de crítica literária, uma vez que os critérios qualitativos nesse enfoque são expressos de forma diversa dos comentários genéricos e são pouco familiares para a maioria das pessoas.

É claro que essa divisão não dá conta de todas as iniciativas circulantes por aí cujo assunto seja a literatura. Há, entre outras, as crônicas, como as do próprio José Castello; dicas sucintas, como as que aparecem na sessão Favoritos, do jornal  Nexo ; coletâneas de ensaios (muitos deles tendo como autores professores e pesquisadores universitários); além de matérias, resenhas e  avaliações publicadas em veículos inteiramente dedicados à produção literária ou ao mundo livresco, como o já citado  Rascunho  e a revista  Quatro Cinco Um.

Recuperando a definição lá do início da postagem, a noção de crítica literária como apenas a emissão de uma opinião/avaliação sobre obras de literatura com o objetivo de apontar o que seria  bom  e o que seria  ruim, a meu ver, ainda está disseminada entre muitas pessoas. Em complemento, diversos indivíduos - alguns mais habilitados e treinados do que outros - continuam a se dispor a emitir essas opiniões, enquanto outros dedicam-se à tarefa da interpretação de obras literárias, sem pretender serem taxativos na avaliação, mas ainda assim emitindo um ponto de vista a respeito delas. A meu ver, sobretudo no caso dos que se empenham em realizar a melhor interpretação de que sejam capazes, existem pessoas produzindo crítica literária, em especial por meio da abordagem acadêmica.

A professora da UnB Regina Dalgastagnè, pesquisadora inserida no meio acadêmico e que, até onde sei, não rejeita ser identificada também como crítica literária, publicou um artigo em 2018 que acrescentará muito à nossa discussão. Na introdução de  A crítica literária em periódicos brasileiros contemporâneos: uma aproximação inicial   (disponível aqui), a autora vale-se da noção de  campo,  tal como definida por Pierre Bourdieu ( "um espaço estruturado e hierarquizado de disputas entre agentes que interiorizam um conjunto de práticas e interesses" ), para aplicá-la na literatura. Se assim for, 

"então é preciso reconhecer que o que está em jogo nesse campo é a possibilidade de consagração, que assume a forma do reconhecimento pelos pares. Escritores ou editores podem ser sensíveis a incentivos de mercado ou a outras vantagens materiais, mas, enquanto integrantes do campo literário, o que os move é a busca desse reconhecimento, que não é necessariamente o do grande público de leitores comuns. É o reconhecimento oferecido pelos demais integrantes do campo literário".

Os professores e pesquisadores universitários da área da literatura ocupariam, dentro desse campo, uma  "posição singular",  segundo Dalcastagnè. Escreve ela: "Envolvidos também em disputas por reconhecimento entre si, nós somos agentes importantes na legitimação de autores/as e obras, o que fazemos ao incluí-los no corpus de nossas disciplinas, ao orientar dissertações e teses e também ao dedicar a eles nosso esforço de pesquisa, que resulta em trabalhos apresentados em eventos acadêmicos, em livros e, especialmente, em artigos publicados em periódicos científicos".

Se a intervenção dos professores e pesquisadores consegue alterar o modo como olhamos para o cânone vigente (resgatando ou rejeitando autores/as e obras do passado), a análise da academia tem ainda mais impacto em relação ao que se publica contemporaneamente. "Para obras que ainda não possuem um lastro de crítica e camadas de interpretação acumuladas, a atenção oferecida pelos acadêmicos representa um capital importante",  afirma a autora.

O levantamento apresentado no artigo extraiu seus dados e informações de textos críticos/analíticos, abordando especialmente criações literárias brasileiras contemporâneas (dos anos 1970 em diante), que constam em nove periódicos acadêmicos nacionais classificados entre os de maior qualidade. 

Destacando alguns dos resultados: 

  • Constatou-se que a maioria dos textos críticos foram elaborados por mulheres, embora o número de escritoras analisadas seja bem menor que o dos escritores (nas referências bibliográficas para fundamentação teórica desses mesmos textos críticos, mulheres também são menos citadas do que homens).
  • Em termos de gênero textual, o romance é muito mais discutido do que o conto, poemas ou a crônica. A pesquisadora observa que  "no campo literário e mesmo no mercado editorial brasileiro das últimas décadas, o romance é considerado o gênero literário por excelência, quase que exigindo dos autores/as sua adesão para que possam ser, efetivamente, chamados de escritores/as". Não se deixou de notar a escassez de estudos críticos sobre literatura infantojuvenil entre pesquisadores da área de Letras, lacuna essa talvez resultante de um certo desprezo/preconceito, por parte dos estudiosos e também dos editores dos periódicos, em relação aos livros destinados a crianças e adolescentes.
  •  A grande maioria dos trabalhos foca em um(a) único(a) autor(a) ou em um único livro, ou seja, há bem menos estudos comparativos (que se valem de pelo menos dois autores ou de dois livros diferentes) e panorâmicos (que cobrem vários autores e livros na mesma empreitada).
  •  Os estudos enfocando somente o objeto (somente o texto da obra literária abordada), sem a incorporação de perspectivas sociológicas, antropológicas, históricas, filosóficas, psicanalíticas, etc. são minoritários.

Em sua conclusão, Regina Dalcastagnè lembra que o levantamento pede a complementação de outros e observa que muitos pesquisadores iniciantes, ingressando agora na etapa da pós-graduação e egressos de esferas sociais diversas, podem estar apontando outros rumos para a abordagem acadêmica, algo que o levantamento não conseguiu captar, pois os periódicos quase nunca publicam quem ainda não atingiu o pico da carreira universitária. Ela ainda acrescenta: "Também o catálogo de livros acadêmicos da área deveria ser observado. No Brasil, embora a avaliação de cursos  e currículos supervalorize a publicação de artigos em revistas mais bem conceituadas, é comum que estudantes e pesquisadores busquem suas referências principais nos livros, entendidos como espaço de consolidação de ideias"

O que não falta, portanto, é gente séria e perita na matéria, principalmente mulheres, fazendo crítica literária. E posso dizer agora, sem qualquer receio, que ela não é realizada por leitoras e leitores comuns.

Não estou, veja bem, alegando que os(as) críticos(as) literários(as)  - entenda-se, aqueles(as) vinculados(as) ao mundo universitário - são seres dotados de uma sabedoria inquestionável, acessível e destinada exclusivamente a eles/elas, restando a nós, os leitores incultos e apalermados, o silêncio somente. Estou dizendo é que as pessoas dedicadas à crítica adquiriram uma capacidade de observação e interpelação dos textos (graças a seu empenho e prática como estudiosos especializados, ressalte-se) que a maioria dos outros apreciadores de literatura (este blogueiro incluso) não conseguiu alcançar, pelos mais variados motivos.

Voltando à pergunta não respondida parágrafos acima: se não sou crítico literário, nem resenhista,  que diabos acontece aqui no  Besta Quadrada  quando o assunto é um poema, um conto, um romance 

Tento comunicar impressões de leitura.  É isso o que acontece apenas. Nesse ponto, creio (guardadas as devidas proporções) não diferir muito de José Castello e outros (não me incomodaria, vale dizer, ser visto também como um comentarista genérico de literatura ) . Seria um atrevimento sem tamanho pretender que essas comunicações inconsistentes e erráticas publicadas aqui (mesmo pondo sinceridade e entusiasmo em boa parte delas) possam equiparar-se a elaborados pareceres críticos.

Ao comunicar essas impressões, não recebo qualquer retorno. É bem desanimador, para ser franco. Mas, apesar de tudo, me sinto melhor quando escrevo uma postagem sobre um texto literário que me afeta de alguma forma. Se leio algo, quero falar sobre isso. E como é dificílimo para mim encontrar interlocutores, lanço aqui no blog. 

Tem valido a pena, apesar de tudo.

____________________ 

¹ ECO, Umberto. Notas sobre os limites da estética. In:___________. A definição de arte. Rio de Janeiro: Record, 2016. p. 49-62 [Tradução de Eliana Aguiar]

² ECO, Umberto. Um balanço metodológico. In: ____________. A definição de arte. Rio de Janeiro: Record, 2016. p. 266-272 [Tradução de Eliana Aguiar] 

³ CASTELLO, José. A crítica literária existe? Rascunho. Curitiba, ago. 2011. Disponível em <https://rascunho.com.br/colunistas/a-literatura-na-poltrona/a-critica-literaria-existe/>. Acesso em 11/08/2025. O artigo também fora publicado n'  O Globo,  jornal em que o autor era colunista.

DALCASTAGNÈ, Regina (2018). A crítica literária em periódicos brasileiros contemporâneos: uma aproximação inicial. Estudos De Literatura Brasileira Contemporânea, (54), 195–209. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/10.1590/2316-40185411>. Acesso em 15/08/2025

BG de Hoje

Não parece ser uma escolha das mais brilhantes pegar uma canção conhecidíssima e reapresentá-la. Para além das comparações com a original, talvez exista uma saturação junto ao público, sobretudo quando se trata de um dos hits de uma banda lendária (no caso, os BEATLES). Entretanto, quando ouvi essa performance  stripped-down  de Eleanor Rigby,  adorei. E o jeito de cantar de dodie casou muito bem com a canção.

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