sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Intenções frustradas

Esta é a quingentésima vez que sapeco uma postagem neste Besta Quadrada.

O(a) eventual leitor(a) talvez não imagine, mas deu trabalho chegar até aqui, mesmo que os textos publicados sejam desiguais - tanto em extensão/tamanho, quanto na pretensão de soarem profundos, pois, em sua grande maioria, são bem ordinários. A essa altura do campeonato, porém, não me importo mais.

Neste Besta Quadrada há muitas citações. Não tive embaraço algum para admitir isso há mais de 10 anos. Faz parte do programa do blog. Afinal, quando o idealizei (e também os outros dois que o precederam), havia duas intenções. Uma delas era compartilhar minhas impressões de leitura sobre determinados escritos: romances, poemas, contos, ensaios, tratados, reportagens, etc. (da outra intenção, tratarei mais adiante). As citações, em várias oportunidades, também serviram como substrato para que eu pudesse escrever sobre temas e assuntos que me afetam de alguma forma. Noutras vezes - refiro-me às postagens identificadas com o título Falou e disse... -, a citação vem pura (isto é, não circundada por observações minhas). Tal acontece porque, como a expressão já denota, concordo ou endosso inteiramente a declaração ou o excerto reproduzidos. Das 500 postagens, cerca de 10% estão sob esse título.

A propósito de percentuais, pouco mais de 12% das publicações do Besta Quadrada ocuparam-se de poemas. Quase 17% abordaram romances. Por sua vez, em 8% delas, o conto foi um dos temas centrais. Esses números mostram que escrevo muito mais sobre prosa do que sobre poesia. Não se trata de uma preferência; apenas sinto que sou menos desastrado ao interpretar narrativas e, portanto, procuro evitar o risco da análise de versos.

Nestas 500 postagens, os ensaístas/críticos mais mencionados foram o argentino (radicado no Canadá) Alberto Manguel e o italiano Umberto Eco. O prosador mais referido foi Guimarães Rosa e o poeta, Carlos Drummond de Andrade (seguido de perto por José Paulo Paes). Por aí se vê que o leque de autores lidos por este blogueiro é bem mixuruca, tão preso está ele a escritores canônicos. Os dois livros mais referenciados foram 50 contos, de Machado de Assis (lançado pela Companhia das Letras, em 2007, cuja seleção ficou a cargo de John Gledson) e Contos reunidos, de Rubem Fonseca (lançado também pela Companhia das Letras, em 1994). No campo da filosofia, a mais discutida foi Hannah Arendt (seguida de perto por Jean-Paul Sartre) e no jornalismo, Eliane Brum. Como também gosto de escrever sobre música pop, o cantor/compositor mais comentado foi Caetano Veloso e as duas bandas mais presentes (sobretudo na seção BG de Hoje) foram o Alice In Chains e o Black Sabbath.

Ninguém lê este blog: a fórmula eventual leitor(a), que emprego frequentemente (usei-a nesta postagem, diga-se), não passa de um bordão textual. Entretanto, por duas vezes, senti um certo orgulhozinho pelo que publiquei. A primeira foi há uns oito anos, quando escrevi uma série de três textos sobre Carolina Maria de Jesus e seu livro Quarto de despejo (parte I, parte II e parte III). Na época, eu mantinha um perfil no Twitter e acrescentava, na minha timeline, links das postagens do Besta Quadrada sempre que havia uma atualização. A professora universitária, blogueira e ativista feminista Lola Aronovich retuítou, não sei por que razão (talvez por causa de alguma hashtag que usei), e a série conseguiu bom número de visualizações, gerando até alguns comentários na plataforma. A segunda vez foi quando escrevi sobre o livro O tribunal da quinta-feira, de Michel Laub, e o próprio autor colocou um link da minha postagem num tweet em seu perfil. NOTA: Evadi-me das mídias sociais porque julguei que estavam piorando minha saúde mental. Contudo, é curioso notar que, graças a uma delas, meu blog conseguiu despertar algum interesse pelo menos duas vezes.

Se um de meus objetivos, há mais ou menos 17 anos, ao entrar na então chamada blogosfera, foi compartilhar impressões de leitura, a outra intenção era encontrar interlocutores com interesses parecidos com os meus. Sendo franco e direto: eu queria fugir da solidão. Nesse sentido, obtive um certo retorno com o Ração das Letras e o Sinistras Bibliotecas - endereços que antecederam o Besta Quadrada (falei um pouco disso aqui). As mídias sociais, todavia, eclodiram como fenômeno global mais ou menos na mesma época, canibalizando as outras formas de interação na internet. Além disso, a escalada das mensagens apatetadas, desrespeitosas ou hostis, bem como as propagandas indesejadas e a profusão de comunicados maliciosos nas seções de comentários dos blogs fizeram muita gente boa desistir de seus diários online (ou simplesmente levaram alguns blogueiros a não mais disponibilizar espaço para comentários, como foi o meu caso).

 

Sigo, porém.

Ainda sinto satisfação em escrever sobre coisas que li. Às vezes, também, fico contente com o texto resultante (como, por exemplo, na série que fiz sobre A condição humana, de Arendt ou noutra, mais recente, quando discuti um episódio importante do Grande sertão:veredas).

Chegando a 500 postagens - e após mais de uma década e meia escrevendo em blogs -, posso dizer que ainda não atingi o ponto de saturação. Parei por um tempo e retornei. Há muito esforço meu aqui. Pareceria uma autotraição não prosseguir.


BG de Hoje

Neste cover de Higher Ground (do gênio STEVIE WONDER), a rapper australiana A.GIRL mandou bem demais. Porém, queria destacar as duas "citações" feitas durante a execução da canção: a) o fraseado da guitarra remete à famosa versão dessa mesma faixa gravada pelo Red Hot Chili Peppers no final dos anos 1980; b) no encerramento da performance, menção a outro hit de Wonder: Master Blaster.

domingo, 15 de janeiro de 2023

Cada dia mais doente de Brasil

A expressão "doente de Brasil", pelo que se sabe, apareceu em julho de 2019, cunhada pelo psiquiatra Fernando Tenório. A postagem no Facebook em que o médico usou o termo viralizou, inspirando, por exemplo, uma coluna da jornalista e escritora Eliane Brum, publicada na (extinta) edição brasileira do jornal El País em agosto daquele mesmo ano. Brum relatou como a chegada de Bolsonaro ao poder há quatro anos, associada aos nossos graves problemas sociais (como o desemprego ou a precariedade das ocupações que segmentos de trabalhadores conseguem encontrar), afetou negativamente a saúde mental de parte da população. "País que ultrapassou a possibilidade das metáforas, a toxicidade do Brasil abrange todas as acepções", escreve ela.

O autora aponta que esse adoecimento tem a ver também com "a destruição da palavra como mediadora" - não custa lembrar que o (agora) ex-presidente é um mentiroso em série e seus apoiadores usam e abusam do expediente das notícias falsas e das teorias conspiratórias. O sujeito não está mais à frente do poder executivo federal, mas as ações ultrajantes de muitos de seus sequazes (e daqueles que o usaram como títere, ou seja, membros das famigeradas forças armadas brasileiras) poluíram de vez o espaço público. "É preciso dizer: não vai ficar mais fácil. Não estamos mais lutando pela democracia. Estamos lutando pela civilização", lê-se ao final da coluna.

Partindo da mesma expressão, a revista piauí publicou em novembro de 2019 a matéria Doentes de Brasil: conversas sobre traumas políticos. A repórter Julia Sena acompanhou seções de uma roda de conversa organizada pelas psicólogas Simone Villas Bôas e Marcela Lima no Rio de Janeiro. Villas Bôas afirma que o termo "diz respeito a todos que se sentem prejudicados pela atual configuração social e política" e Lima acrescenta que "o discurso de ódio do bolsonarismo fere a subjetividade daqueles que não compactuam dele. Quem apoia esse discurso já está adoecido".

Talvez o(a) eventual leitor(a) esteja se perguntando: "Pra que falar disso agora? A eleição já passou e um novo presidente assumiu. Não é hora de seguir em frente?". Não dá pra fazer isso. Há um golpismo latente, com forte penetração entre os militares e forças de segurança (polícia federal e polícias estaduais). Há muitos indivíduos fanatizados e agressivos, membros de uma seita, cujos exemplos mais em evidência foram os "patriotas" acampados em frente a quartéis e aqueles que depredaram o plenário do STF, o Palácio do Planalto e o Congresso no dia 8 de janeiro. É esse caldo de cultura, junto com outras marcas da nossa política e da nossa sociedade, que me fazem também um doente de Brasil.

Entre as marcas que mencionei acima, uma das mais perversas é o racismo estrutural, que leva a situações como a que Hislla Ramalho discute em seu texto publicado dias atrás no Portal Geledés. Pela forte concordância com seu teor, vou reproduzi-lo aqui na íntegra. NOTA: É óbvio que havia pardos e pretos entre os bolsonaristas que vandalizaram as sedes dos Três Poderes, mas basta observar as imagens daquele dia para constatar que a grande maioria era branca (ou assim percebida, levando-se em conta o peculiar colorismo brasileiro).


A Branquitude pode tudo? Uma breve reflexão sobre a consolidação do nazifascismo no Brasil,
por Hislla Ramalho


O atentado contra a democracia, contra o resultado das urnas (2 e 31 de outubro de 2022), realizado no dia 08 de janeiro de 2023 em Brasília por terroristas, mostra ao Brasil e ao mundo que não se pode compactuar ou se calar diante da construção fascista-nazista que vinha/vem ocorrendo contra o Estado Democrático de Direito há pelo menos 5 anos. Depois do impeachment em 2016, já podíamos ouvir expressões e xingamentos contra os três poderes. Esses discursos tomaram força nas redes e na mídia, à medida que um governo antidemocrático estava no poder, inflando ataques visando enfraquecer as bases democráticas e, consequentemente, agir contra a Constituição Cidadã de 1988.

Considerei o dia 08 de janeiro de 2023 um dia de consolidação, de ápice; um dia de ver explicitamente a manifestação física do fascismo no Brasil. Entre quebra de patrimônio, quebra dos prédios representantes dos três poderes, palavras de ordem contra o presidente e outros agentes públicos, os terroristas foram escoltados, acompanhados, para fazer tais violações pelo próprio poder de força do Estado brasileiro – a polícia. Ao ver as terríveis cenas, duas perguntas me ocorreram: e se fossem pessoas negras que estivessem ali? A branquitude nazifascista pode fazer tudo?

A primeira questão me traz à memória os vários casos acontecidos que envolvem esta força abusando de seu poder e matando o povo preto, seja por “confundir” uma sombrinha com um fuzil ou por suspeitar que um cantor seja um bandido, dentre vários outros casos que sabemos; há um genocídio negro no Brasil,
 instaurado por necropolíticas, epistemicídios, prisões em massa, chacinas e assassinatos da população negra. Sueli Carneiro também denunciou utilizando dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Evaldos, Genivaldos, Rodrigos, Adalbertos, Kathlens, Ágathas etc. Sendo assim, é gritante a diferença do tratamento dado pela polícia à branquitude nazifascista e à população negra. Nós morremos por muito menos, por menos, por nada, por existir.

Se fossem pessoas negras, indígenas, estudantes, professores, dentre outras e outros que estivessem ali e não fazendo metade do que foi feito - diga-se depredado, violado neste dia (08/01/2022) -, a punição, o tratamento, seriam outros; teríamos bombas de gás lacrimogênio, surras de cassetetes, balas de borracha ou pior, dentre outras formas de “contenção”. Diante do infeliz acontecido e da rápida discussão aqui feita a pergunta sobre a branquitude nazifascista entra em evidência. Eles podem fazer tudo?

A questão surge como uma maneira de chamar atenção para quais serão as providências tomadas daqui em diante, como será tratado judicialmente cada indivíduo terrorista que agiu de má fé contra o Estado Democrático de Direto. Se dentro de determinada situação pessoas negras não têm direto a um tribunal ou corte por serem executadas e julgadas no instante do acontecimento, a branquitude tem essa garantia, e pelo menos judicialmente aguardamos as punições cabíveis.



BG de Hoje 

Distopia, um dos mais recentes singles do PLANET HEMP, foi lançado ano passado, quebrando um jejum de mais de duas décadas da banda, em matéria de canções novas. Com participação do CRIOLO, a faixa não desagrada antigos fãs (como este blogueiro).