"A pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto da igualdade e da distinção. Se não fossem iguais, os homens não poderiam compreender uns aos outros e os que vieram antes deles, nem fazer planos para o futuro, nem prever as necessidades daqueles que virão depois deles. Se não fossem distintos, sendo cada ser humano distinto de qualquer outro que é, foi ou será, não precisariam do discurso nem da ação para se fazerem compreender. Sinais e sons seriam suficientes para a comunicação imediata de necessidades e carências idênticas.
A distinção humana não é idêntica à alteridade - à curiosa qualidade da alteritas, comum a tudo que existe e que, por conseguinte, para a filosofia medieval, é uma das quatro características básicas e universais do Ser, transcendendo toda qualidade particular. A alteridade é, sem dúvida, aspecto importante da pluralidade, a razão pela qual todas as nossas definições são distinções, pela qual não podemos dizer o que uma coisa é sem distingui-la de outra. Em sua forma mais abstrata, a alteridade está presente somente na mera multiplicação de objetos inorgânicos, ao passo que toda vida orgânica já exibe variações e distinções, inclusive entre indivíduos da mesma espécie. Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa distinção e distinguir-se, e só ele é capaz de comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa - como sede, fome, afeto, hostilidade ou medo. No homem, a alteridade, que ele partilha com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se unicidade, e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade de seres únicos". *
* ARENDT, Hannah. A condição humana. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. p. 219-220 [Tradução de Roberto Raposo e revisão técnica de Adriano Correia]