Um dos livros cuja leitura mais me emociona, até hoje, é Quando eu voltei, tive uma surpresa*, do historiador e escritor Joel Rufino dos Santos. Como se sabe, trata-se de uma reunião de cartas enviadas por ele a Nelson, seu filho (na época, um garoto de 8-9 anos), durante o período em que esteve detido no Presídio do Hipódromo (São Paulo). Joel Rufino integrou o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), na equipe de Nelson Werneck Sodré, responsável pela obra História nova do Brasil. Com a instalação da ditadura militar no país, a entidade é fechada. Opositor ao regime, o historiador acaba preso em 1972. As cartas enviadas ao filho e publicadas posteriormente vão de junho de 1973 a março de 1974.
A edição da Rocco reproduz os manuscritos originais (e um telegrama), guardados durante todo esse tempo por Teresa Garbayo dos Santos, esposa de Joel Rufino e mãe de Nelson. Nas cartas, o missivista usava canetinhas coloridas, fazia desenhos, dava mini-aulas de História (por exemplo, quando fala ao filho sobre Zumbi e o Quilombo dos Palmares, dividindo o assunto em partes) e - o que é precioso - conta pequenas histórias, muitas delas oriundas do folclore e da cultura popular. E chega até a fazer um reconto de O velho e o mar, de Hemingway. É comovente ler o modo como Joel Rufino, reiteradamente, demonstra seu amor por uma pessoa de quem ele gosta muito (as cartas são o tipo de texto que melhor permite isso) e só posso imaginar como deve ter sido difícil para o filho compreender porque o pai estava longe e dentro de uma prisão.
É na primeira das correspondências que se encontra o título do livro (esta mesma carta também pode ser encontrada na ótima antologia Me escreva tão logo possa, organizada por Marcos Antonio de Moraes**):
E ele se justifica:
Lamentavelmente, Joel só pode juntar-se ao filho quase um ano após o envio dessa carta.
A edição da Rocco reproduz os manuscritos originais (e um telegrama), guardados durante todo esse tempo por Teresa Garbayo dos Santos, esposa de Joel Rufino e mãe de Nelson. Nas cartas, o missivista usava canetinhas coloridas, fazia desenhos, dava mini-aulas de História (por exemplo, quando fala ao filho sobre Zumbi e o Quilombo dos Palmares, dividindo o assunto em partes) e - o que é precioso - conta pequenas histórias, muitas delas oriundas do folclore e da cultura popular. E chega até a fazer um reconto de O velho e o mar, de Hemingway. É comovente ler o modo como Joel Rufino, reiteradamente, demonstra seu amor por uma pessoa de quem ele gosta muito (as cartas são o tipo de texto que melhor permite isso) e só posso imaginar como deve ter sido difícil para o filho compreender porque o pai estava longe e dentro de uma prisão.
Mas essas cartas são mais do que comoventes. No prefácio, Teresa Garbayo diz que guardou as cartas "que chegaram" - pois, no regime ditatorial então em vigor, era de se esperar, infelizmente, que as correspondências fossem controladas e vigiadas. Há uma passagem numa delas em que Joel pede ao filho que informe na resposta "se as cartas que eu te escrevo estão indo direitinho". Ao decidir publicá-las, Teresa sabe que, além se serem "uma parte da história de vida" do seu filho, essas cartas também revelam um pouco da história "do país em que vivemos". E não deixa de ser perturbador olhar aquelas folhas - coloridas, desenhadas e destinadas a uma criança - com um carimbo em cima escrito PRESÍDIO DO HIPÓDROMO - DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais).
É na primeira das correspondências que se encontra o título do livro (esta mesma carta também pode ser encontrada na ótima antologia Me escreva tão logo possa, organizada por Marcos Antonio de Moraes**):
"Quando eu voltei, tive uma surpresa. Fui convidado pelo governo a contar algumas coisas que eu fiz. Por exemplo: eu dei algumas aulas sobre coisas que o nosso governo não gosta: contei algumas histórias que o nosso governo não gosta que se conte; e, finalmente, escrevi alguns livros que o nosso governo também não gostou".
E ele se justifica:
"Eu acho que tenho razão. As aulas que eu dei, as histórias que eu contei e as coisas que eu escrevi nos meus livros e nos jornais - eu acho que são coisas certas. O governo não acha. O juiz é quem vai decidir. Agora, eu estou esperando ele me chamar para decidir. Isto demora um pouco, infelizmente. Tenho certeza de que o juiz vai dizer: ' Seu Joel, não tem mal algum o senhor ter as suas opiniões. Pode ir embora'. Ou então ' Seu Joel, o senhor já esperou muito tempo pela minha decisão. Pode ir embora' ".
Lamentavelmente, Joel só pode juntar-se ao filho quase um ano após o envio dessa carta.
Na próxima semana (e até o recesso de fim de ano do blog) escreverei sobre Graciliano Ramos.
___________
* SANTOS, Joel Rufino dos. Quando eu voltei, tive uma surpresa: cartas a Nelson. Rio de Janeiro: Rocco, 2000
** MORAES, Marcos Antônio de (Org.). Antologia da carta no Brasil: me escreva tão logo possa. São Paulo: Moderna, 2005
BG de Hoje
Marc Bolan (T-REX) não costuma figurar nas listas mais comuns dos grandes guitar heroes da história do rock. Deve ser porque suas composições e seu jeito de tocar eram mais despojados do que os dos outros guitarristas-compositores da época (a despeito da egolatria desse artista). Acho também que há uma certa dose de preconceito por causa da androginia de Bolan. De todo modo, dá uma sacada na irresistível canção The Motivator.