"Em anos recentes, porém, as narrativas de ficção parecem ter perdido boa parte de sua hegemonia inspiradora para a autoconstrução dos leitores e espectadores, com uma crescente primazia de seu suposto contrário: o real - ou, mais precisamente, a não-ficção".
Paula Sibilia - O show do eu
Poderia me estender sobre o livro O show do eu: a intimidade como espetáculo* em diversas outras postagens, dada a sua excelente qualidade (além dos temas de que trata, claro). Na tentativa de compreender como se constitui e se apresenta a subjetividade (talvez o mais apropriado seria escrever subjetividades) em tempos midiáticos e internéticos, Paula Sibilia chama para a sua conversa pensadores de alto calibre (Benjamin, Deleuze, Nietzsche, Descartes, Simmel, Foucault, entre outros); exemplifica pontos de vista com acontecimentos e produtos artísticos e dos mass media da atuais; além de fazer constantes menções à Literatura. Vou preferir encerrar a série por hoje, mas muito provavelmente retornarei a essa obra noutros textos aqui do blog. Há, contudo, algo que gostaria de destacar, por me interessar mais de perto.
No capítulo 7 (Eu real e os abalos da ficção), a autora observa como a ficção literária foi progressivamente perdendo terreno para outras modalidades de narrativa, mais próximas do "real" - mesmo que sejam os mais comezinhos registros - e relata um caso típico dos nossos dias:
Ou seja, qualquer importância cultural que a Divina Comédia possui (ou já tenha possuído) significa quase nada. Para os basbaques da era digital-virtual (e os que lucram a partir deles) só interessa saber da "vida como ela é", acompanhada da bisbilhotice típica de nosso tempo.
No título da série de postagens há a seguinte pergunta: qual o futuro da vida privada? Não ambiciono dar uma resposta. Direi apenas - e não há novidade alguma nisso - que noções como intimidade, privacidade, interesse e espaço públicos foram completamente modificadas num curto espaço de tempo com a adoção (quase) maciça das tecnologias de informação e comunicação, que, entre tantos empregos relevantes, permitem, por outro lado, as mais estapafúrdias e doentias exibições do eu. Quem não se adaptar a essas alterações terá muita dificuldade de ser partícipe de alguns dos fenômenos socioculturais da atualidade.
Sou um desses.
___________No capítulo 7 (Eu real e os abalos da ficção), a autora observa como a ficção literária foi progressivamente perdendo terreno para outras modalidades de narrativa, mais próximas do "real" - mesmo que sejam os mais comezinhos registros - e relata um caso típico dos nossos dias:
"Mas essa ferrenha busca pelo real-banal tampouco perdoa outras figuras históricas que, por terem vivido em épocas distantes do nosso culto à personalidade espetacularizada, deixaram pouco material para as conjeturas acerca de seus cobiçados eus. Nesse descuido nos legaram, apenas, suas obras. Um livro publicado por uma reconhecida especialista na Divina comédia de Dante Alighieri, por exemplo, trouxe algumas revelações que a mídia logo divulgou em tom de escândalo. A pesquisa desvendava 'a verdadeira origem das visões dantescas' do inferno e do paraíso, descritas pelo poeta florentino há sete séculos. Eis a revelação: 'Para se inspirar, Dante ingeria substâncias estupefacientes como cannabis e mescalina'. Foram apenas poucas linhas referidas ao assunto em um livro de quinhentas páginas sobre a vida (e a obra) do escritor italiano, mas também é claro que foi somente essa questão que conseguiu despertar o interesse midiático sobre um tema tão pouco atual. Um dos mais prestigiosos cadernos literários britânicos, o Times Literary Supplement, estampou na capa a seguinte manchete: 'Dante drogado'.
Ou seja, qualquer importância cultural que a Divina Comédia possui (ou já tenha possuído) significa quase nada. Para os basbaques da era digital-virtual (e os que lucram a partir deles) só interessa saber da "vida como ela é", acompanhada da bisbilhotice típica de nosso tempo.
No título da série de postagens há a seguinte pergunta: qual o futuro da vida privada? Não ambiciono dar uma resposta. Direi apenas - e não há novidade alguma nisso - que noções como intimidade, privacidade, interesse e espaço públicos foram completamente modificadas num curto espaço de tempo com a adoção (quase) maciça das tecnologias de informação e comunicação, que, entre tantos empregos relevantes, permitem, por outro lado, as mais estapafúrdias e doentias exibições do eu. Quem não se adaptar a essas alterações terá muita dificuldade de ser partícipe de alguns dos fenômenos socioculturais da atualidade.
Sou um desses.
* SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
BG de Hoje
Há momentos, nas festas e noutras reuniões semelhantes, em que todo mundo fica meio "caidaço". Nessas horas, uma canção bem escolhida pode mudar a atmosfera borocoxô. She, do GREEN DAY, é certeira: rápida, curta e contagiante. Ah, já fui menos melancólico...