sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Marginalidade e crime: dois autores em destaque (II)


"A violência é tão fascinante
E nossas vidas são tão normais"
 
Renato Russo/Legião Urbana, em Baader-Meinhof Blues

 
 
Os primeiros livros de Rubem Fonseca provocaram forte impressão no público, nos anos 1960-70, pela violência que retratavam, mas - observa Boris Schnaiderman* "de lá para cá, a vida brasileira, em seu conjunto, tornou-se mais brutal e implacável, fatos como os narrados ali passaram a fazer parte de nossa vivência diária e acabamos mais acostumados com eles".

Poderia     escolher    vários  de     seus    contos     para     discutir  a  representação  literária  da  marginalidade  e  do  crime;  vou  me  concentrar,  contudo , em  O jogo do morto **.

Quatro comerciantes de São João de Meriti decidem, de modo macabro, apostar dinheiro adivinhando o número de vítimas do esquadrão da morte a cada mês. Com o passar do tempo os apostadores  "ampliaram as regras do jogo. Além da quantidade, da idade e da cor dos mortos, foi acrescentada a naturalidade, o estado civil e a profissão. O jogo tornara-se complexo". O popularesco jornal O Dia   servia para "validar " os palpites. A prática regular de assassinato divulgada pela imprensa sensacionalista: nada muito diferente do que testemunhamos hoje.

O mais azarado dos apostadores, Anísio, decide trapacear no jogo para recuperar o dinheiro  perdido. Numa passagem do conto ele diz :

"Aposto que o esquadrão este mês mata uma menina e um comerciante. Duzentas mil pratas.   Que loucura, disse Gonçalves [outro dos apostadores], pensando no seu dinheiro e no fato de que o esquadrão jamais matava meninas e comerciantes".

Nas áreas urbanas grupos sociais criam subculturas e a criminalidade também tem a sua, além de um código não escrito, conhecido até por quem não é do métier  - como, por exemplo, saber do fato do esquadrão da morte poupar meninas e comerciantes - dada a penetração do crime nas demais esferas da vida das cidades. O assustador é que estamos cada vez mais familiarizados com essa subcultura e com esse código.

Nunca viveremos em sociedades sem crime, obviamente. Mas o que o conto O jogo do morto parece sugerir é que os assassinatos do crime organizado, mesmo que atinjam números astronômicos, deixaram de nos chocar há bastante tempo.
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* SCHNAIDERMAN, Boris. Vozes de barbárie, vozes de cultura : uma leitura dos contos de Rubem Fonseca  [esse ensaio foi publicado como posfácio da 1ª edição dos  Contos reunidos,  de Rubem Fonseca, pela Companhia das Letras]

** FONSECA, Rubem. O jogo do morto. In: __________. Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 585-590 [esse conto integra o livro O cobrador, publicado originalmente em 1979]

BG de Hoje

Crianças não são essas gracinhas que muita gente imbecil vive dizendo adorar. Trabalho com elas há bastante tempo pra não me iludir. A letra da canção Sweet Sour, da ótima BAND OF SKULLS é meio maluca, mas o clipe demonstra bem a agressividade infantil.