segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Meu problema com as artes plásticas (e com o conceito de arte em geral)



Deveria hoje dar prosseguimento à discussão do livro de Georges Perec mencionado na postagem anterior. Mas a leitura de uma matéria da revista Carta Capital na semana passada (Relato de um naufrágio*) mudou o planejamento.

A jornalista Leneide Duarte-Plon destacou alguns pontos de uma publicação lançada pelo ensaísta e crítico de arte francês Jean Clair. No livro L'hiver de la culture (O inverno da cultura), Clair não esconde sua aversão pelas obras e artistas inseridos no que chamamos "arte contemporânea" (para ele, esta expressão deveria sempre vir entre aspas). Na matéria, lê-se declaração pejada de reacionarismo e preconceito por parte do crítico francês:

"Em nome da democratização da arte, para observar Leonardo, Ticiano, Rembrandt, Velázquez ou Vermeer, deve-se exigir menos respeito e reverência do que os requeridos antigamente para entrar em um recinto de orações? (questionamento surgido ao descrever um visitante no Museu do Louvre "que veste short, a cueca aparecendo e uma camiseta sem mangas na qual se vê um peito peludo, cheirando a suor").

A arte "performática" e de "instalações" é atacada com dureza e a lucrativa atuação de um grupo seleto de artistas plásticos que adota práticas típicas do sistema financeiro não é deixada de lado na crítica de Jean Clair, que pergunta: "o que se pode ensinar hoje numa escola de belas artes a não ser dicas, não mais o savoir-faire de um métier, mas o saber vender de um mercado?"

A visão do ensaísta é altamente pessimista. Para ele, só se salvariam a música e a dança. E por quê?

"A razão é que há nessas disciplinas, e a palavra aí volta a ter sentido, um métier, um domínio do corpo longamente aprendido, uma técnica singular, ensinada e transmitida ano após ano. Ora, não há mais métier ou maestria nas artes plásticas".

A matéria termina com a observação de que o panorama da "arte contemporânea", segundo Clair, "sinaliza uma crise de civilização, iniciada no movimento surrealista". Na frase-resumo do crítico francês, "a arte contemporânea é o relato de um naufrágio e um desaparecimento".

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Antes de mais nada devo esclarecer que nada entendo de artes plásticas. Fiquei pensando, contudo, numa das afirmativas do crítico Jean Clair: "não há mais métier ou maestria nas artes plásticas". E arrisco dizer: está deixando de existir também nas outras manifestações artísticas.

Vejo algumas obras de arte contemporânea. E sendo franco: quase nunca consigo separar a criatividade da empulhação. Ignorância de minha parte? É provável. Mas penso ser também - e suponho que algo parecido aconteça com o(a) leitor(a) - reflexo de um estado de coisas que exige outra explicação.

Acredito na educação estética. Duvido que alguém nasça com um "gene de reconhecimento da beleza artística", cuja "ação orgânica" se dissemina, naturalmente, quando seu portador é submetido a uma sinfonia de Beethoven ou a um texto de Balzac. Arte, seja a de matriz mais popular ou a mais erudita, implica aprendizado, tanto por parte de quem faz, quanto por parte de quem apenas aprecia. Não obstante o prazer que possa proporcionar, há uma "dimensão laboriosa" do fazer/fruir artístico que não deveria ser negligenciada. Não é ocioso lembrar que arte e artífice têm o mesmo radical linguístico.

Assim sendo, como limitado espectador/fruidor de arte (em constante aprendizado, acrescento), só consigo apreciar aquilo que me parece indicar essa "dimensão laboriosa" acima referida.

É o que consigo, por exemplo, ver nos belíssimos (e famosos) quadros reproduzidos nesta postagem: o primeiro, O Retrato de Louis-François Bertin, de Jean Ingres (1780-1867), e o segundo, O Triunfo de Baco ou Os Ébrios, de Diego Velázquez (1599-1660). Essas obras exsudam estudo, trabalho, domínio e criação de técnicas. Hoje em dia, entretanto, dentro de minha pouca ilustração, deparo-me com as exibições cada vez mais cínicas - nem por isso pouco rentáveis e potencializadas pelos meios de comunicação - do pintor que não sabe pintar, do ator que não sabe interpretar, do músico que não sabe tocar, do dançarino que não sabe dançar, do escritor que não sabe escrever.

Na próxima postagem, volto ao livro A vida: modo de usar.

* Relato de um naufrágio. Carta Capital, São Paulo, Ano XVII, nº 666, 5 out. 2011, p. 78-81


BG de Hoje

Direto ao ponto: MATANZA, Eu não gosto de ninguém.