No extinto blog Ração das Letras, já fizera este exercício a ser agora repetido: associar (bela) canção do compositor e cantor maranhense Zeca Baleiro (Babylon)* a conhecidíssimo poema de Manuel Bandeira (Vou-me embora pra Pasárgada)**.
Como não salvei arquivos ou cópias do que havia escrito naquele site,
decidi voltar a esses dois textos, pois, ao ouvir a canção dias atrás,
numa solitária tarde em minha moradia, experimentei satisfação nova.
O que aproxima os dois textos?
Imediatamente percebe-se que ambos falam de lugares inexistentes, mas intensamente desejados, onde é possível "viver a pão-de-ló e möet chandon" (Baleiro) e ter "a mulher que eu quero/ Na cama que escolherei" (Bandeira)
Pensando nesses refúgios de sonho, não pude deixar de lembrar da temática do locus amoenus, tão recorrente na poesia, desde Petrônio, Virgílio e Horácio.
Estritamente, é necessário dizer, o locus amoenus é aquele que se aproxima da paisagem natural, do bucolismo, em oposição à vida citadina, urbana. Entretanto, como se pode notar, nem Babylon nem Vou-me embora pra Pasárgada são exemplos de glorificação da "simplicidade" da vida pastoril ou campestre. Pelo contrário, até:
"Manhattan by night
Passear de iate nos mares do Pacífico Sul
[...]
Vida é um souvenir made in Hong Kong"
[Babylon]
"Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar".
[Vou-me embora pra Pasárgada]
Esse locus amoenus só é amoenus em relação ao mundo, considerado ruim, em que vivem os dois poetas...
Nos dois poemas percebo também um hedonismo desavergonhadamente cínico: "Minha religião é o prazer", canta Zeca Baleiro; "Lá a existência é uma aventura/ De tal modo inconsequente", anseia Manuel Bandeira.
Concluo este assunto na próxima postagem, tentando encontrar as intenções por trás das duas composições.
* Do álbum Líricas, 2000
** BANDEIRA, Manuel. Vou-me embora pra Pasárgada. In: __________________. Estrela da vida inteira.20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993
BG de Hoje
Ora, Babylon, de ZECA BALEIRO!