"O pouco que a gente sabe bota na vitrine. E o montão que ignora esconde no porão"
Millôr Fernandes
Embora
deteste futebol, nunca deixo de ler a coluna jornalística de Tostão,
ex-jogador do Cruzeiro e da Seleção Brasileira, e que se tornou médico
após encerrar a carreira de atleta.
Em novembro passado*, o craque escreveu:
"O futebol no mundo deveria ser interrompido em alguns períodos para as pessoas refletirem, desconstruírem muitos de seus conceitos, perceberem as besteiras que disseram e que fizeram para daí construírem novas maneiras de ver a vida e o futebol".
A proposta de Tostão parece trivial. Mas não é.
Sou
cada vez mais antissocial porque, entre outros aborrecimentos, o
futebol é assunto que invade - pior ainda, domina -, de modo
implacável, as conversas em reuniões de amigos e conhecidos. Saber se
foi pênalti ou não, se o árbitro é bem ou mal intencionado, se o
jogador Y ou o treinador X serão empenhados ou
preguiçosos, constituirá, daí em diante, o centro do "debate". O mais
impressionante - ou ridículo, ou lamentável, sei lá - é ver na TV
sujeitos com ares de profundos especialistas discutindo as mesmíssimas
coisas, como se aquilo fosse vital para nossa existência...
Isso
não acontece à toa. O futebol é, provavelmente, a forma de
entretenimento mais popular do planeta. Movimenta consideráveis somas
de dinheiro e ocupa espaço gigantesco nos veículos de comunicação.
Millôr Fernandes - novamente!** - adicionou complemento a uma frase (slogan da esquerda nos anos 1970) que não me canso de citar: "o futebol é o ópio do povo e o narcotráfico da mídia".
A maioria das pessoas (pelo menos no Brasil) julga saber alguma coisa sobre futebol. Mas pergunto: o que há para saber?
Como
esse esporte é praticado de janeiro a dezembro, todos os anos, nunca se
para de falar sobre ele. Platitudes e mais platitudes vão se
sedimentando e alimentam os lugares-comuns e clichês da monocultura
esportiva do futebol. Dá pra imaginar todo esse universo ludopédico
deixando de funcionar por certo tempo, como na utópica proposta de
Tostão?
. . . . . .
A meu favor, só posso dizer que o blog Besta Quadrada é periodicamente interrompido para que seu autor reflita sobre as
besteiras que escreve amiúde. Quem por ventura lê este espaço merece
respeito e consideração, creio eu, e não tem tempo a perder.
Quase
todo mundo acha que sabe bastante sobre certos assuntos ou temas (e
alguns sabem mesmo!); entretanto, convenientemente, ocultam sua
ignorância sobre todo o resto. Aqui, tratando de Literatura na maioria
das postagens, até eu corro o risco de passar a impressão de "sacar do
barato" (que gíria mais antiquada...). É possível que saiba alguma
coisa, mas é ínfimo. Cultivo apenas uma imagem. E sendo direto: uma imagem que, "se colar", obviamente me apetece, pois acho que ninguém gosta de ser visto como ignorante.
. . . . . .
Fiquei, então, pensando: o que é que eu sei?
Há alguma atividade, produção ou área, sobre a qual eu possa emitir
opiniões válidas, confiáveis, certeiras? Escarafunchei o cérebro, a
alma e acabei descobrindo. Ah, suprema sensação é encontrar em si mesmo
um dom especial! Sou um degustador de refrescos artificiais em pó, com larga experiência e apurada formação!
Desde o popularíssimo Q-Refresco ao blasonado Clight, passando pelo tradicional Ki-Suco, o reverenciado Tang, o versátil Fresh, o eficaz Frisco (meu predileto), o econômico Tornado
e outros de menor fama, sou capaz de reconhecer tonalidades, aromas,
adstringências específicas num rápido e breve exame. Desenvolvi métodos
próprios de preparo e variações criativas nas maneiras de servir.
Suponho haver outros indivíduos (raros, penso eu) com igual talento,
mas desde já divulgo aqui minhas credenciais.
P. S.
Aos fabricantes dessas delícias artificialmente saborosas, desejosos de
contar com meus préstimos, informo que estou à inteira disposição,
inclusive cedendo o espaço para publicidade. Basta enviar e-mail
destacando, principalmente, os aspectos financeiros da negociação, pois
estou no vermelho.
__________
* TOSTÃO. Desconstrução. Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 nov. 2010. Caderno Esporte, p.5
** FERNANDES, Millôr. Millôr definitivo: a bíblia do caos. Porto Alegre: L & PM, 2002 (a epígrafe da postagem também foi extraída dessa obra)
Na próxima semana, os temas habituais deste espaço. Até breve!
BG de Hoje
Tá certo: Angus Young é um espetáculo à parte. Mas sempre que ouço AC/DC,
fico ainda mais admirado com o trabalho de Malcom Young, o irmão mais
velho. A simplicidade sonora característica do grupo não seria possível
sem a base rítmica da guitarra desse músico, compositor presente em
todas as grandes canções gravadas pela banda. E, no vídeo abaixo, uma
das minhas prediletas: Problem child (há, primeiro, a
apresentação feita por um camarada desconhecido; depois é que o bicho
pega... Ah, ainda com Bon Scott no vocal e o baixista já era o Cliff
Williams)