terça-feira, 30 de novembro de 2010

As religiões do livro

[Postagem atualizada em 22/05/2020]

Dentro do "pacote" de filmes assistidos recentemente estava O livro de Eli (The Book of Eli - direção: Hughes Brothers, 2009). NOTA: Surpreendi-me ao encontrar no elenco a atriz Jennifer Beals - já madura e ainda muito bonita - que permanece na memória de bastante gente (na minha, pelo menos) como a inverossímil operária-bailarina de Flashdance (1983 )

Não vi nada de mais no filme, mas sou espectador inapto para dar opinião, pois não entendo nada de Cinema. O livro de Eli me interessou por dramatizar, ao modo hollywoodiano (of course!), a relação entre palavra escrita e o processo civilizatório.

Num mundo pós-apocalíptico, Eli (Denzel Washington) peregrina em direção ao Oeste, carregando um livro. O mesmo livro é procurado por Carnegie (Gary Oldman), seu antagonista. Detalhe: quase a totalidade dos sobreviventes nessa terra desolada não sabe decifrar códigos escritos. Em determinada cena, dá-se o seguinte diálogo:

"[Carnegie] - Você lê?
  [Eli] - Todos os dias.
  [Carnegie] - Bom pra você. Eu também. É curioso. Velhos como nós, eu e você, somos o futuro".

Isso é bastante significativo. Num mundo inóspito, hostil, embrutecido, os livros - e a leitura, por extensão - podem ser o principal (ou, talvez, único) remédio contra a barbárie. E são as pessoas mais velhas as responsáveis por administrar o "medicamento".

Mas - ai, ai, ai - esse é um filme que trata, sobretudo, de fé e religião. Em outra cena, após declamar o famosíssimo Salmo 23 (versículos 1, 2, 3 e 4), o personagem central dá informações sobre o "misterioso" livro que leva (a essa altura, óbvio para qualquer espectador) a uma jovem cuja vida acabara de salvar:

"[Solara] - Por que disse que não era um livro qualquer?
  [Eli] - É um exemplar único. Depois da guerra, fizeram questão de caçar e destruir todos os que os incêndios não tinham destruído. Dizem que foi o que motivou a guerra. Seja como for, é o último que sobreviveu".

Eli diz ainda que encontrou o livro graças a uma "voz" que o orientaria e protegeria na jornada. Apesar de decepcionado com o filme, nesse trecho - se me permite uma breve digressão - não pude deixar de pensar na reacionária e conhecida tese de Samuel Huntington sobre o "choque de civilizações"*.

Para o cientista político norte-americano,

"[...] civilizações diferentes têm concepções diferentes das relações entre Deus e os homens, os cidadãos e o Estado, pais e filhos, liberdade e autoridade, igualdade e hierarquia. Essas diferenças são produto de séculos. Não desaparecerão em pouco tempo. São muito mais elementares do que as diferenças entre ideologias e regimes políticos".

E Huntington é taxativo: "A próxima guerra mundial, se houver, será uma guerra entre civilizações".

Mas há outra coisa para se refletir.

Todas as atuais grandes religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo, islamismo) erigiram-se a partir de livros. O objeto-livro  vira objeto sagrado; mas também o ato de ler  passa a ser reverenciado. E essa é uma contribuição bem peculiar das religiões para a prática da leitura, digamos, secular: conferir a esse ato um valor simbólico  difícil de medir.

Até bem pouco tempo, eu não atentava para o papel importante desempenhado por essas religiões no plano da cultura livresca. Num trabalho que não cansarei de citar (História da Leitura**), Steven Roger Fischer nos lembra que,

"Ao longo da história, a religião foi um dos principais motores da alfabetização. Os escribas-padres figurariam entre os primeiros leitores da sociedade. Depois deles, vieram os eruditos da elite e, a seguir, os celebrantes seculares que, por sua vez, expandiram e diversificaram o material de leitura, acabando por indicar um conceito de educação geral. É fato esclarecedor na história da leitura que a difusão de sistemas de escrita e leitura no mundo hoje reflete com muito mais clareza a difusão das religiões do mundo do que a difusão de famílias de idiomas".

É evidente também que as religiões desenvolveram métodos para limitar o que e como ler, gerando mais desentendimento do que conciliação, mais obscurecimento do que iluminação. Mas isso já é outro assunto.
___________
* HUNTINGTON, Samuel. Choque do futuro. In: UPDIKE, John et al. Veja 25 anos: reflexões para o futuro. São Paulo: Abril, 1993. p. 135-147

** FISCHER, Steven R.  História da Leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2006 [tradução Claudia Freire]

BG de Hoje

Ontem, chegando ao Bar do Dinei, pedi uma cerveja e uma dose de cachaça. Antes de "beiçar a mardita", cantarolei "bobeou, eu tomo pinga", parodiando o refrão de um antigo sucesso das rádios AM. Lá de dentro, alguém secundou e imediatamente começou a cantar a canção com a letra original. Era um antigo morador do bairro. Não me fiz de rogado e acompanhei. Tomamos um porre medonho. Vasculhei no Youtube e achei a pérola: TRIO PARADA DURA, Bobeou, a gente pimba.


sexta-feira, 26 de novembro de 2010

WALL.E


Já li em mais de uma resenha publicada na imprensa que, atualmente, os melhores trabalhos do Cinema estão sendo feitos na área da animação, seja na indústria voltada para o entretenimento de massas, seja no dito "mercado independente". Uns dizem que há esgotamento nos modos de narrar dos filmes em "carne e osso"; outros - com veneno - argumentam: numa época em que se tornou possível fazer quase tudo visualmente falando, graças aos recursos tecnológicos digitais , os efeitos especiais ocupam espaço desmedido nas produções e, nesse caso, é preferível ficar com os desenhos animados mesmo, mais vantajosos por não incluírem atores de 5ª categoria... Nesse ponto, não tenho opinião formada. Só sei dizer que WALL.E (WALL.E - direção: Andrew Stanton, 2008) foi um dos melhores filmes que pude assistir ultimamente. Seus primeiros 30 minutos são grandiosos.

Claro, é direcionado para crianças, mas todos sabemos que hoje em dia não é muito inteligente, nem lucrativo, produzir desenhos sem pensar também no público adulto. E se deixarmos de lado as mensagens "educativas" mais explícitas - enaltecer a reciclagem do lixo e a preservação ambiental, criticar o sedentarismo e a tecnofilia extremados, etc. - notaremos que é um filme a lidar com temas quase sempre melancólicos, como, por exemplo, a solidão e o envelhecimento. NOTA: Esses temas, a propósito, estão presentes em outras animações excelentes, de curta-metragem; Geri's game (com direção de Jan Pinkava, 1997) e Bunny (dirigido por Chris Wedge, 1998). Bunny é belissimamente triste; Geri's game, engraçadíssimo, de uma forma um tanto demente, devo acrescentar.

Não dou muita trela a quem proclama as "vantagens" do envelhecimento. Confesso que não vejo nenhuma. Mas reconheço que os velhos costumam ser obstinados (alguns diriam teimosos). E WALL.E é obstinado. Executa a mesma tarefa por centenas de anos, aparentemente sem se importar com a inutilidade de seu trabalho.

E o robô é extremamente solitário, tendo apenas a seu lado uma baratinha, que o acompanha naquele mundo vazio. Guarda cacarecos e bugigangas em casa (coisa de velho!) e, apesar de seus estoicismo, a solidão lhe pesa muito.

Para mim - e peço desculpas por minha pieguice - a sequência mais tocante do filme é quando WALL.E, a despeito da impossibilidade de se comunicar com EVE, a sonda que visita o planeta, após esta ter cumprido sua tarefa, fica ao lado dela durante um longo, longo tempo, sempre velando-a, sempre esperançoso.

A parceria bem sucedida entre Pixar e Disney, até aqui, foi muito rentável, comercialmente falando. E, de vez em quando, seus trabalhos conseguem deixar o espectador emocionado, como fiquei ao final de WALL.E.

BG de Hoje (duplo)

Falando em desenhos animados, um dos filmes que marcaram minha adolescência foi Uma cilada para Roger Rabbit. E uma das cenas mais inesquecíveis é aquela em que Jessica Rabbit canta Why don't you do right? A personagem foi dublada por Kathleen Turner, símbolo sexual nos anos 1980, mas quem interpreta a canção é outra atriz, Amy Irving, na época, esposa de Steven Spielberg, o produtor do filme.

E ao fazer a busca por essa cena, acabei encontrando este outro vídeo, de uma desconhecida, interpretando (e bem) a mesma canção.

sábado, 20 de novembro de 2010

Blogs: entre a egolatria e o rancor



Pelo menos do nascedouro, blogs  expunham, a maior parte do tempo, as divagações, os desabafos, os acontecimentos privados e íntimos relacionados à vida do seu autor, o blogueiro.

De acordo com o   Dicionário de gêneros textuais , de Sérgio Roberto Costa*,

"O blog  pode ser definido, então, como jornal/diário digital/eletrônico pessoal publicado na Web, normalmente com toque informal, atualizado com frequência e direcionado ao público em geral.  Blogs   geralmente trazem a personalidade do autor, seus interesses, gostos, opiniões e um relato de suas atividades. Portanto, geralmente são simples, com textos curtos, predominando os narrativos (relatos) , descritivos e opinativos. O   blog   é o gênero discursivo da auto-expressão, isto é, da expressão escrita do cotidiano e das histórias de pessoas comuns".

Mas desde os pioneiros - Justin's Links from the Underworld  (1994), Carolyn Diary  (1995) e outros - essas jangadas de personalismo no oceano da Internet foram ganhando, felizmente, outras características.

Wikipédia  (acesso em 20/11/2010) afirma que "o  blog atual é uma evolução dos diários online" e o mesmo verbete informa que

"Um blog [...] é um site cuja estrutura permite a atualização rápida a partir de acréscimos dos chamados artigos, ou posts. Estes são, em geral, organizados de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blog  [...]" (grifo meu).

Do ponto de vista do conteúdo, então, encontramos dois tipos básicos de blog: 1) aqueles aparentados com os diários íntimos e/ou privados; 2) aqueles estruturados em torno de um assunto.

Já deixei transparecer algumas vezes aqui minha preferência pelo segundo tipo, embora - e isto pode ser curioso -, dos cerca de 60 blogs que leio mais frequentemente, apenas uma pequena parte se encaixa nessa categoria. Não gosto muito de ser lançado no "mundo pegajoso da vida doméstica" das pessoas, para usar uma expressão do escritor Jonathan Franzen.

Entretanto, por mais que um blog procure centrar-se numa temática, aquilo que o faz ser atraente para boa parte dos leitores, penso eu, é a possibilidade de construir uma  ponte entre indivíduos , a possibilidade de  estabelecer novas relações interpessoais , ainda que por meio da Web. Daí a importância da seção de comentários. No verbete da  Wikipédia   lemos que "a capacidade de leitores deixarem comentários de forma a interagir como o autor e outros leitores é uma parte importante de muitos blogs". Já no  Dicionário de gêneros textuais   encontra-se a seguinte afirmativa: "a interatividade com o leitor é uma característica básica". Deseja-se, muitas vezes, propor um diálogo ; afinal, blogs são, majoritariamente, páginas relacionadas a perfis que, no plano não-virtual - a nossa vidinha costumeira -, ligam-se a seres humanos (com preferências, sentimentos e desejos) sequiosos por comunicarem-se com outros, às vezes tão ávidos quanto eles.

Então, ao pensar nos blogs como  espaço de expressão pessoal, também estabelecemos dois tipos básicos: 1) aqueles eivados de egolatria ; 2) aqueles saturados de rancor. O leitor habitual deste espaço naturalmente percebe que prefiro a segunda categoria, na qual meu próprio blog se inclui.

Postagens "felizes" e que, por meio da exibição nauseante da vida particular do blogueiro, jogam na cara de quem lê a mensagem (nada sutil) "vejam-como-eu-sou-especial-e-gente-fina" me dão vontade de vomitar.

Prefiro aquelas feitas por "arquitetos de ruínas", valendo-me de Machado de Assis na caracterização de um de seus personagens menores.

* COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica, 2008

BG de Hoje

O que é necessário para criar um clássico do rock'n'roll ? Alguns elementos básicos: entre eles, acho, é preciso um riff de guitarra poderoso, inesquecível. E não consigo me lembrar agora de outro tão indefectível quanto o de Jumpin' Jack Flash, dos ROLLING STONES.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A idealizada imunidade dos escritores (2)


Antes de tratar, propriamente, do tema central desta postagem (continuação da anterior) gostaria de emitir uma opinião que parecerá exagerada - e é bem possível que seja - mas ao menos nascida de minha razoável experiência trabalhando em bibliotecas escolares de diferentes unidades: hoje em dia, efetivamente, Monteiro Lobato é muito pouco lido.

As crianças e adolescentes costumam evitá-lo por causa do número de páginas dos exemplares, tidos como extensos por pessoas - infelizmente - cada vez mais desabituadas a textos robustos. Há ainda a questão da linguagem (mais ampla do que a questão da língua, é bom que se diga): o "público-alvo" na década de 1930 (ou seja, a criança daquela época) difere muito do atual, inclusive no modo como se relaciona com textos escritos.

Até leitores adultos, a quem supostamente caberia a tarefa de mediação da obra de Lobato (bibliotecários, professores, educadores em geral), têm pouca ou nenhuma familiaridade com o autor. Isso é uma pena: considero A chave do tamanho, por exemplo, um dos livros infantis mais importantes do mundo, e a boneca de pano por ele inventada (e que depois vira gente) é um dos personagens mais extraordinários de toda a nossa Literatura, voltada ou não para crianças (ainda que seja, para dizer o mínimo, figurinha controversa, como veremos adiante...)

Ocorre o seguinte: a Turma do Sítio do Picapau Amarelo independe, hoje, dos livros em que estava contida; é uma marca poderosa, com existência autônoma em relação ao texto escrito originalmente.

Fica, portanto, a pulga atrás da orelha: será que o melindre estridente por parte da imprensa, em torno do parecer do CNE até aqui discutido (ver postagem anterior), não teria partido de indivíduos que não leem (ou não leram) efetivamente os livros do escritor e acabaram emitindo suas opiniões ancorados apenas numa imagem idealizada do trabalho literário de Monteiro Lobato, imagem esta agora associada a uma marca forte no campo dos produtos para a infância?

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Marisa Lajolo, conceituada estudiosa da obra do autor de Caçadas de Pedrinho, abre o artigo A figura do negro em Monteiro Lobato* - também disponível aqui - declarando por que análises como esta são necessárias:

"Discutir a representação do negro na obra de Monteiro Lobato, além de contribuir para um conhecimento maior deste grande escritor brasileiro, pode renovar os olhares com que se olham os sempre delicados laços que enlaçam literatura e sociedade, história e literatura, literatura e política e similares binômios que tentam dar conta do que na página literária, fica entre seu aquém e seu além.
Além do texto, aquém da vida".

Pode-se perfeitamente ler Literatura privilegiando apenas (ou principalmente) aspectos formais e/ou estéticos; entretanto, este não é o tipo de leitura que procuro fazer. Só para exemplificação, cito o caso de dois escritores: Henry Miller e Nelson Rodrigues; aprecio o primeiro, não gosto do segundo. O universo desencantado e "desglamourizado" no qual transitam as personagens de Henry Miller é, para mim, sempre interessante. Contudo, encontro frequentemente trechos de conteúdo antissemita (segundo minha avaliação) em seus livros. Já nas crônicas e peças de Nelson Rodrigues vejo (de novo, na minha avaliação) o quanto era reacionário o dramaturgo, não obstante seus aforismos terem se tornado famosos, pois Rodrigues foi, antes de tudo, um competente frasista. Tanto num quanto noutro, o texto às vezes sai perdendo para a vida. Mas voltemos ao artigo de Marisa Lajolo.

A professora da Unicamp fala em "ambiguidade" - este blogueiro chamaria simplesmente de racismo - na obra de Lobato com relação à representação que se faz do negro. Destaca, em sua análise, o livro Histórias de Tia Nastácia**, no qual podemos ler trechos como este:

" - Pois cá comigo - disse Emília [sempre ela!] - só aturo essas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e bárbaras - coisa mesmo de negra beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto, não gosto e não gosto..."

No entanto, Marisa Lajolo acredita que, para observar como se dá essa, segundo ela, ambiguidade de representação, é preciso ir além da "denúncia bem intencionada dos xingamentos de Emília", observando, por exemplo, a assimetria existente entre Tia Nastácia e os outros personagens da Turma do Sítio. Escreve a articulista:

"Sem idealizações e sem meias palavras, os leitores das Histórias de Tia Nastácia são voyeurs de uma situação na qual os ouvintes das mesmas histórias, sem complacência e sem papas na língua, desqualificam as matrizes populares de onde vêm as histórias que ouvem".

O que se vê é um "rebaixamento cultural" do mundo representado por Tia Nastácia, já que este mundo é incompatível com a visão de modernidade típica dos anos 1930, defendida por Lobato e outros intelectuais da época. E discutindo o modo como os outros personagens recebiam as narrativas apresentadas pela "negra de estimação" (assim apresentada em Reinações de Narizinho, lembremos), Lajolo demonstra como essa visão de modernidade age sobre o leitor (inclusive o contemporâneo):

"Ao ir lendo, a reação dos ouvintes às histórias que Tia Nastácia vai contando, o leitor de Lobato sente-se tentado a tomar partido. E só por estar lendo, são muito pequenas as chances de que sua solidariedade vá para a preta velha que desfia histórias por quem, na melhor das hipóteses e como os pica-pauzinhos [Emília, Narizinho e Pedrinho], ele (leitor) nutre sentimentos de afeto, mas que, nem por serem autênticos, deixam de ser uma das expressões que o racismo assume na cultura brasileira. O livro sublinha a inadequação das histórias a seu auditório na voz dos próprios ouvintes: são eles que estabelecem a diferença que afasta a tradição letrada e moderna que, erigindo-se em referente, confirma à marginalidade a produção cultural que não venha desse mundo urbano e moderno".

Teria mais a dizer sobre esse assunto, inclusive a respeito do projeto de Lobato intitulado O presidente negro, mas deixo para outra oportunidade, poupando o generoso e paciente leitor que me acompanhou até o fim desta postagem em duas partes.
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* LAJOLO, Marisa. A figura do negro em Monteiro Lobato. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v.4. n.23, p. 21-31, set/out. 1998

** LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. 9 ed. São Paulo: Brasiliense, 1970 [ilustrações de Manoel Victor Filho] [volume 4 (série A) das Obras Infantis Completas]

BG de Hoje

Sou fã de André Abujamra e do KARNAK. E gosto muito da canção Espinho na roseira/Drumonda. Quando procurei no Youtube, achei este vídeo tosco e engraçado.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A idealizada imunidade dos escritores (1)


No mês de setembro, um parecer do CNE (Conselho Nacional de Educação) - disponível aqui - provocou polêmica, gerando matérias em alguns veículos da imprensa. Mas vamos ao começo da história.

O parecer (aprovado por unanimidade pelo Conselho e aguardando homologação) é resultante de consulta encaminhada por um técnico da Secretaria de Educação do Distrito Federal a diversos órgãos administrativos. Antônio Gomes Costa Neto solicitava que a Secretaria na qual trabalha e as unidades subordinadas a esta não deveriam "utilizar livros, material didático ou qualquer forma de expressão que, em tese, contenha expressões de prática de racismo cultural, institucional ou individual". Citava especificamente o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, que, segundo o técnico, manifestava conteúdo racista.

De acordo com a relatora do parecer sobre o caso, Nilma Lino Gomes, professora da Faculdade de Educação da UFMG, "[...] a denúncia do Sr. Antônio Gomes Costa Neto deve ser considerada coerente". Para a conselheira do CNE,

"Não se pode desconsiderar todo um conjunto de estudos e análises sobre a representação do negro na literatura infantil [...], os quais vêm apontando como as obras literárias e seus autores são produtos do seu próprio tempo e, dessa forma, podem apresentar, por meio da narrativa, das personagens e das ilustrações, representações e ideologias que, se não forem trabalhadas de maneira crítica pela escola e pelas políticas públicas, acabam por reforçar lugares de subalternização do negro".

Nilma Lino Gomes observa que "a ficção não se constrói em um espaço social vazio". E recomenda algumas ações a serem empregadas para evitar atitudes reprodutoras do racismo no ambiente escolar, entre elas, fazer com que a Coordenação-Geral de Material Didático do MEC (uma vez que Caçadas de Pedrinho integra o acervo do PNBE*) exija "da editora responsável pela publicação a inserção no texto de apresentação de uma nota explicativa e de esclarecimentos ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos raciais na literatura".

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Há quem tenha interpretado o parecer (não é meu caso) como uma tentativa de proibir a circulação do livro de Monteiro Lobato. Além disso, o caso faz emergir outros pontos que merecem ser discutidos: a desconfiança que se tem sobre o preparo dos professores para lidar com situações complexas e que vão além da prática pedagógica rotineira; o papel das bibliotecas escolares - setor particularmente afetado por decisões internas e externas referentes a permissão ou restrição de acesso a determinados livros; ou mesmo um suposto patrulhamento motivado pelo chamado politicamente correto.

Uma questão, entretanto, pareceu-me passar batida, apesar de toda a celeuma em torno do assunto: a maneira como enxergamos os escritores, sobretudo aqueles consagrados e/ou considerados canônicos, como Lobato. Com frequência, achamos que os escritores, por serem artistas conceituados - indivíduos geniais, em alguns casos - deveriam merecer análises de sua obra baseadas apenas em critérios estéticos. Possuiriam eles uma espécie de "imunidade artística". Tal posicionamento indica, a meu ver, uma idealização (ingênua, como não poderia deixar de ser) da relação escritor-obra.

Devemos lembrar, penso eu, que a capacidade criadora de um escritor não está isenta da influência de fatores sociais e históricos que condicionam a existência de qualquer indivíduo. E é possível criticar seu trabalho incorporando ao exercício analítico a observação desses fatores, indo além da Teoria da Literatura e da Estética. Escritores são meros mortais (apesar da ABL afirmar o contrário sobre um grupo reservado, no qual, aliás, Monteiro Lobato não conseguiu entrar).

Marisa Lajolo, em um ensaio excepcional sobre o escritor paulista** - disponível aqui - (e que foi citado pela conselheira Nilma Lino Gomes no parecer em discussão) realiza um desses estudos mais abrangentes a que me referi; falo a seu respeito na próxima postagem.
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* PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) - Ação do MEC, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, responsável pela distribuição periódica de livros e outras publicações destinadas a alunos e professores das escolas públicas, executada desde 1997, incrementando bibliotecas escolares e salas de leitura.

** LAJOLO, Marisa. A figura do negro em Monteiro Lobato. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 4, n. 23, p. 21-31, set/out. 1998

BG de Hoje

Num ranking - completamente arbitrário e inútil -, existente apenas na minha cabeça, o FAITH NO MORE ocupa lugar garantido na lista das dez bandas de rock mais importantes. Sabe dosar agressividade e contenção, tem uma "cozinha" ducarai (Billy Gould e Mike Bordin), além do vocalista Mike Patton, que possui a capacidade impressionante de "mudar o registro" a cada canção (ou dentro até da mesma música). Ashes To Ashes é um bom retrato do grupo.