terça-feira, 10 de novembro de 2009

Nocautes (3)

O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS - Lima Barreto



Antes de mais nada, quero dizer que considero Lima Barreto - um dos "heróis" deste blog - muito mais romancista que contista. Sem entrar em detalhes, não consigo apreciar suas histórias curtas ainda que as leia com frequência. Uma das exceções é O homem que sabia javanês *.

Até aí, nada de mais. A maioria das antologias do tipo "os melhores contos..." inclui essa narrativa do escritor carioca. Seria quase "natural" que eu a destacasse. Só que a pergunta a ser feita é: por que se costuma considerar esse texto fora-de-série? Humildemente - vá lá, nem tão humildemente assim - vou tentar responder.

O homem que sabia javanês é notável, sobretudo, por sua engenhosa organização (apesar de ser muito simples) e por sua "brasilidade".

Como se sabe, o conto se estrutura a partir de uma relaxada conversa entre dois amigos, Castelo e Castro, tomando cerveja numa confeitaria. Dessa forma, Lima Barreto não precisara preocupar-se com aquela linguagem rebuscada e tão artificial que ainda caracterizava a Literatura Brasileira do período e que era admirada pelos críticos da época, a maioria deles bastante dura com o escritor. A narrativa ganhou em leveza e velocidade. As observações de Castro são poucas ao longo do relato de Castelo mas permitem ao narrador "retocar" os trechos que por ventura estivessem desalinhados.

Além disso, O homem que sabia javanês é brasileiríssimo. Aqui, permita-me uma digressão.

Está claro, pelo menos para mim, que um bom texto de Literatura Brasileira não precisa falar do Brasil e de suas características "sócio-político-econômico-culturais" todo o tempo. Aliás, nas vezes em que o nacionalismo patriótico ou o engajamento denuncista sufocaram a arte os resultados foram terríveis. Por outro lado, sempre se pode argumentar que há certos elementos presentes em alguns de nossos melhores textos que não se encontram naqueles provenientes de outras nacionalidades. Esses elementos são difíceis de precisar e indicar porque não se resumem a aspectos lexicais e/ou idiomáticos. No conto de que estamos falando, logo em seu início, podemos ler o seguinte trecho:

" - Cansa-se; mas não é disso que me admiro. O que me admira é que tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil imbecil e burocrático".

Lima Barreto conhecia bem "este Brasil imbecil e burocrático". Um Brasil marcado pelas relações clientelistas, do arrivismo sem escrúpulos, o país do "jeitinho", o país da malandragem, da ausência de critérios justos para a promoção no serviço público, dos títulos acadêmicos e saberes formalizados sem relevância social e/ou utilidade pública.

Sem cair de cabeça em nenhuma dessas mazelas, o conto, todavia, fala de todas.

A boa Literatura de um país serve também para que seus leitores se reconheçam. E eu me reconheço em Lima Barreto.

* BARRETO, Lima. Contos reunidos. Rio de Janeiro: Garnier, 1990

VALE A PENA

Vale a pena conferir a edição voltada para o público infanto-juvenil de O homem que sabia javanês, realizada pela Cosac & Naif. A elegância da publicação e as ilustrações de Odilon Moraes valorizam - e muito - o texto excepcional de Lima Barreto.

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E embora saiba que o assunto já foi muito debatido na Internet e na mídia em geral - o incidente envolvendo uma aluna da Uniban, agredida por uma multidão animalesca de estudantes da instituição - ainda não li melhor análise do que a de Contardo Calligaris publicada na Folha de S. Paulo do dia 05/11/2009 com o título A turba da Uniban.