Até pouco tempo atrás, nunca tinha lido nada do escritor carioca Bernardo Carvalho. Considerado um dos mais importantes autores da Literatura Brasileira contemporânea, Carvalho mantinha coluna quinzenal na Folha - da qual eu era leitor assíduo. Mas a sua ficção eu não conhecia. Há uns cinco anos, porém, eu li Nove noites* (que acabei, em outra postagem, chamando, equivocadamente, de Nove luas...). A expectativa era grande. A decepção nem tanto, mas aconteceu.
Não me agradou aquela mescla de "reportagem" e ficção. As constantes alterações das vozes narrativas me pareceram um tanto forçadas e desnecessárias na organização geral do romance. O drama do antropólogo Buell Quain não me comoveu, nem me deixou curioso. Logicamente, tal drama é apenas um dos elementos do texto. Não é verdade, entretanto, que muitas vezes não nos aproximamos de (ou nos deliciamos com) um livro justamente por causa de nossa relação - ainda que num nível primário - com seu protagonista?
Contudo, logo percebi que não se tratava de um escritor comum. Tudo é muito apurado, principalmente o que se manifesta pela elegância da escrita. Atentemos para esse trecho:
"O mais incrível, nos nascimentos, é a euforia cega com que os pais encobrem o risco e a imponderabilidade do que acabaram de criar, a esperança com que o recebem e que nos faz transformar em augúrio promissor a incapacidade de prever o futuro que ali se anuncia e a impotência de todas as medidas de precaução nesse sentido. Se assim não fosse, é bem provável que o ser humano já tivesse desaparecido da face da Terra, pelas mãos de mães zelosas e assassinas."
A leitura de Nove noites foi uma espécie de "aquecimento dos motores" para o que eu descobriria em Bernardo Carvalho posteriormente (em particular, no romance Mongólia). Continuo na próxima postagem.
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* CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2002
TOSCO MUNDO
Sei que o assunto já está batido, mas é que ao ver a Folha de S. Paulo no sábado passado, não pude deixar de mencioná-lo. Na edição, foram publicadas as duas melhores opiniões relativas ao recente ato do arcebispo de Recife e Olinda.
José Simão - sempre ele - escreveu:
"Olha essa: ' CNBB diz que excomunhão por aborto é instantânea '. Instantânea? Excomunhão Miojo: o medievalesco bispo de Recife e Olinda pega um copo d'água, te joga na panela quente e, em três minutos, você tá excomungado!"
Drauzio Varella, bem a sério, obviamente, não deixou por menos: "não há o que reclamar. A política do Vaticano é claríssima: não excomunga estupradores".
Por ser ateu, intimamente nada do que a Igreja - quando retrógrada e intolerante - proclama ou defende me interessa. Embora, infelizmente, sempre acabe sentindo as consequências, direta ou indiretamente, dos atos dela, dada a influência social dessa instituição. E tenho que concordar com Varella: boa parte dos argumentos defendidos por uma parcela significativa de católicos - autoridades ou não - "ofende a inteligência humana".