segunda-feira, 16 de março de 2009

Aquecendo motores

Até pouco tempo atrás, nunca tinha lido nada do escritor carioca Bernardo Carvalho. Considerado um dos mais importantes autores da Literatura Brasileira contemporânea, Carvalho mantinha coluna quinzenal na Folha - da qual eu era leitor assíduo. Mas a sua ficção eu não conhecia. Há uns cinco anos, porém, eu li Nove noites(que acabei, em outra postagem, chamando, equivocadamente, de Nove luas...). A expectativa era grande. A decepção nem tanto, mas aconteceu.

Não me agradou aquela mescla de "reportagem" e ficção. As constantes alterações das vozes narrativas me pareceram um tanto forçadas e desnecessárias na organização geral do romance. O drama do antropólogo Buell Quain não me comoveu, nem me deixou curioso. Logicamente, tal drama é apenas um dos elementos do texto. Não é verdade, entretanto, que muitas vezes não nos aproximamos de (ou nos deliciamos com) um livro justamente por causa de nossa relação - ainda que num nível primário - com seu protagonista?

Contudo, logo percebi que não se tratava de um escritor comum. Tudo é muito apurado, principalmente o que se manifesta pela elegância da escrita. Atentemos para esse trecho:

"O mais incrível, nos nascimentos, é a euforia cega com que os pais encobrem o risco e a imponderabilidade do que acabaram de criar, a esperança com que o recebem e que nos faz transformar em augúrio promissor a incapacidade de prever o futuro que ali se anuncia e a impotência de todas as medidas de precaução nesse sentido. Se assim não fosse, é bem provável que o ser humano já tivesse desaparecido da face da Terra, pelas mãos de mães zelosas e assassinas."

A leitura de Nove noites foi uma espécie de "aquecimento dos motores" para o que eu descobriria em Bernardo Carvalho posteriormente (em particular, no romance Mongólia). Continuo na próxima postagem.

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* CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2002


TOSCO MUNDO

Sei que o assunto já está batido, mas é que ao ver a Folha de S. Paulo no sábado passado, não pude deixar de mencioná-lo. Na edição, foram publicadas as duas melhores opiniões relativas ao recente ato do arcebispo de Recife e Olinda.

José Simão - sempre ele - escreveu:

"Olha essa: ' CNBB diz que excomunhão por aborto é instantânea '. Instantânea? Excomunhão Miojo: o medievalesco bispo de Recife e Olinda pega um copo d'água, te joga na panela quente e, em três minutos, você tá excomungado!"

Drauzio Varella, bem a sério, obviamente, não deixou por menos: "não há o que reclamar. A política do Vaticano é claríssima: não excomunga estupradores".

Por ser ateu, intimamente nada do que a Igreja - quando retrógrada e intolerante - proclama ou defende me interessa. Embora, infelizmente, sempre acabe sentindo as consequências, direta ou indiretamente, dos atos dela, dada a influência social dessa instituição. E tenho que concordar com Varella: boa parte dos argumentos defendidos por uma parcela significativa de católicos - autoridades ou não - "ofende a inteligência humana".