"Dar nome às coisas. Escrever é dar nome às coisas. Ele não pode dizer: dar nome as coisas tais como elas são - porque as coisas não são nada até que digamos o que elas são".
Cristovão Tezza - O filho eterno
No final do ano passado comprei O filho eterno (Ed. Record, 2007), do escritor catarinense, radicado no Paraná, Cristovão Tezza. Resolvi lê-lo agora, aproveitando o feriado. O livro recebeu importantes prêmios literários brasileiros em 2008 - Jabuti e APCA, por exemplo - e chamou a atenção de muita gente, sendo, inclusive, bastante comentado na imprensa.
Na blogosfera, Milena, do ótimo Nenhum Lugar, gosta da "ironia afiada" do escritor, e diz que "seus golpes certeiros na nossa suposta arrogância de superpotências me fazem rir e pensar um bocado" . Por meu turno, também tenho uma ou duas observações sobre este livro de Tezza. Entretanto, se me for permitido, antes quero dizer algo a respeito de concepções do que seja literatura.
Quem era leitor do meu antigo blog sabe que, na maioria das vezes, escrevo a palavra literatura com "L" maiúsculo, o que pode parecer um ato pedante (ou, na melhor das hipóteses, apenas ridículo e fora de moda), dando a entender que existem "literaturas" e literaturas, e é preciso separar o joio (e que diabos é joio?) do trigo. Não é bem isso.
Além, obviamente, de uma manifestação artística, a Literatura é também um área de estudos, com suas particularidades e terminologia própria, além de uma disciplina escolar, às vezes bem, noutras malsucedida em seus objetivos. Ao optar pela inicial em maiúsculo, quero somente representar todas essas acepções, que, aliás, não esgotam os sentidos do termo literatura.
E por ser um discurso proteiforme, a expressão literária engendra os mais variados modos de narrar, modos de dizer. E por ser um campo no qual as preferências individuais - as escolhas - orientam, ocasionalmente, a trajetória de cada leitor, este desloca-se por determinadas construções ficcionais. Em certos momentos, inclino-me mais para os livros com alto grau de fabulação - entendida aqui como o distanciamento de uma realidade histórica e social circunscrita e imediata - e que conseguem fazê-lo graças a recorrência constante à imaginação do escritor. Reconheço, contudo, que toda narrativa ficcional, por mais fantasiosa que seja, tem um lastro no real.
O livro de Cristovão Tezza, entretanto, não faz parte desse conjunto de narrativas que acabei de mencionar. Sem ser uma autobiografia, não no sentido estrito pelo menos, parte de experiências vivenciadas diretamente pelo autor. Mas o narrador de O filho eterno manifesta a consciência do quanto é difícil transformar uma situação privada em matéria literária:
"Escrevendo, pode descobrir alguma coisa, mas sem confundir - isso o escritor percebeu logo - a vida e a escrita, entidades diferentes que devem manter uma relação respeitosa e não muito íntima. Só sou interessante se me transformo em escrita, o que me destrói, sem deixar rastro, ele imagina, sorrindo, antevendo algum crime perfeito".