Não aguento mais ouvir Sultans of Swing. Ou Smoke on the Water. Ou Another Brick in the Wall.
Hotel California, então, me faz querer sair correndo em desespero.
Eu já curti o som do Dire Straits. Não tenho nada contra o Deep Purple. Pink Floyd está entre as minhas 20 bandas preferidas. E embora não tenha interesse nos Eagles, reconheço que o maior hit deles, apesar de hoje me dar nos nervos, é uma grande canção.
Também não é por causa da alegação frouxa "isso é música velha!" (a ideia de que criações artísticas teriam um prazo de validade me parece sem cabimento).
Minha ojeriza é pela repetição, ad nauseam, dessas e outras faixas por tiozões do rock nos mais diferentes locais e ocasiões.
Não me entenda mal: eu já fui e ainda me comporto, ocasionalmente (é difícil abandonar velhos hábitos), como um tiozão do rock. Não seria honesto cuspir no prato em que já comi (e ainda como, às vezes) sem admitir isso primeiro.
Gosto de rock (está até no esboço biográfico). A maioria dos vinis e CDs que já comprei nesta minha vidinha inútil é de artistas pertencentes a essa vertente musical. Se o(a) eventual leitor(a) for conferir minhas playlists no Youtube Music Premium (não aguentava mais as "travadas" de execução do Spotify), verá que a maioria das faixas é pauleira (sempre gostei dessa gíria ultrapassada: pauleira).
Mas, desde que comecei a escutar música de forma realmente atenta e dedicada, o rock - seus subgêneros e derivações - nunca monopolizou, ainda bem, minha curiosidade e meu interesse.
Acho que preciso falar um pouco do convívio familiar, de quando eu era garoto até o início da adolescência. O(a) eventual leitor(a) há de me perdoar a fatuidade.
Além de meus pais, morava com três irmãs e dois irmãos - elas e eles mais velhos do que eu, cada um com suas preferências. Apesar de sermos pobres, sempre era possível comprar um disco ou outro, uma fita cassete ou outra. Além disso, as rádios, décadas atrás, davam preferência à programação musical, ao invés do jornalismo ou a falação ininterrupta de hoje (felizmente, estações evangélicas/de igreja eram raríssimas). Em casa ouvíamos variados gêneros: MPB sofisticada e música brega, samba e ritmos regionais, a black music norte-americana dos anos 1960-70, compositores clássicos (Debussy, Händel, etc.). Uma tarde de vitrola podia começar com Bob Dylan, passar por Burt Bacharach e Milton Nascimento e terminar com Dilermando Reis. Também se ouvia Janis Joplin, Beatles, Creedance Clearwater Revival, Queen... Uns 65% do meu gosto musical devo à minha família.
A predileção pelo rock só se deu comigo por volta dos 17-18 anos, quando comecei a ouvir muito Van Halen, Titãs (antes da fase caça-níquel total), Barão Vermelho e Rolling Stones, buscando uma certa "independência" auditiva. Pouco tempo depois, os discos Facelift (Alice In Chains), Nevermind (Nirvana), Badmotorfinger (Soundgarden) e Ten (Pearl Jam) foram lançados. A cena grunge ganhou o mundo. E eu mergulhei de cabeça...
Muitos tiozões do rock só escutaram, só escutam e só escutarão rock. Geralmente, as mesmíssimas bandas e as mesmíssimas canções.
Apesar da chatice, esse não é o maior problema, porém.
À medida que o tempo passa, a intransigência, uma propensão autoritária, começam a despontar em muitos dessa patota (eu e minhas gírias fósseis...). Esse aspecto é muito bem representado pela rainha Barb, personagem do divertido filme de animação Trolls 2 (Trolls World Tour - direção de Walt Dohrn e David P. Smith, 2020).
Para ela, só o rock deve ser escutado no mundo dos trolls e, para tanto, ataca os outros reinos. Sua primeira aparição em cena é muito elucidativa (aqui cabe um elogio à atriz e comediante Rachel Bloom, que dá voz à personagem). Não tem nenhum espaço para negociação: as guitarras de seus comandados falam alto e acossam os que não estão com Barb. NOTA: Para ser justo, o filme mostrará que a imposição e a tentativa de homogeneizar o gosto musical não é algo exclusivo dos roqueiros; não se espere, contudo, muita profundidade: afinal, trata-se de um produto de entretenimento voltado sobretudo para o público infantil e do qual se espera determinado retorno mercadológico.
E o que se toca nessa cena?
Rock You Like a Hurricane, gravada originalmente pelos Scorpions em 1984! Banda e canção típicas de tiozões do rock...
Barb finalmente chega a seu objetivo, ganhando o poder de transformar outros trolls em zumbis headbangers. Mas, mesmo antes da resolução do conflito com a protagonista Poppy, um de seus súditos demonstra não estar 100% favorável à ideia de um mundo regido unicamente pelo rock (aliás, o pai de Barb - cuja voz, ironicamente, é a de Ozzy Osbourne - já não parecia muito entusiasmado com todo esse plano de dominação). Diz o baterista Riff (e eu ri bastante nessa parte): "If we all look the same, act the same, dress the same, how will anyone know we're cool or something? [Se todos nós parecermos os mesmos, agirmos do mesmo jeito, vestirmos do mesmo jeito, como alguém saberá que somos legais e tal?]"
Desde a sua origem - por volta dos anos 1950 - e no decorrer das décadas ulteriores, o rock esteve associado à rebeldia e à vanguarda. As coisas mudaram nos últimos tempos, entretanto.
Não é mais contraditório que muitos fãs (e artistas) do gênero sejam retrógrados, intransigentes e propensos ao autoritarismo. E que acabem deslocando esse posicionamento em relação a seu "cardápio" musical para outras esferas da vida.
O tiozão do rock é, em muitos casos, também um tiozão conservador e fechado em preconceitos. Infelizmente.
Pode-se mudar a mentalidade reaça? Por que não? Só que é preciso abrir a cabeça, como diz o João Gordo (Ratos de Porão), falando de sua própria experiência (confira aqui).
BG de Hoje
Mesmo se você assistir a Trolls 2 e não gostar (ao contrário de mim, que adorei), acho difícil não apontar Born To Die como a melhor canção ali - ou, pelo menos, a mais surpreendente, se pensarmos que está na trilha sonora de um filme feito principalmente para crianças. Resultado dessa inusitada parceria entre Justin Timberlake e o cantor country Chris Stapleton (que rendeu o hit Say Someyhing), Born To Die é ainda mais apreciável pela linda interpretação da KELLY CLARKSON.