Na infância (até por volta dos 12-13 anos e a despeito de ser um negro pobre), imaginava que me tornaria veterinário na vida adulta.
Eu tinha afeição pelos animais domésticos e muita curiosidade pelos que vivem na natureza. Lembro-me de ter conseguido comprar, no começo dos anos 1980, todos os 40 fascículos da Zoo (publicação da Rio Gráfica Editora, se não me engano), lançados semanalmente nas bancas de jornais. Achava a coleção muito bacana, bem ilustrada e com boas fotos. Cada fascículo era dedicado a uma família de animais ou, às vezes, mais de uma, dependendo da proximidade delas dentro da ordem ou da classe a que pertenciam. Havia informações sobre o tipo de alimentação de cada bicho, sobre seus habitats. Achava o máximo saber o nome científico das espécies. Olhando retrospectivamente, talvez o que eu pensava ser "quando crescesse" era tornar-me biólogo, não veterinário, mas esse discernimento me faltava naquela época.
E hoje?
Não sou nem uma coisa nem outra - até porque, no tempo da escola, eram vergonhosas minhas notas em ciências, nem a Biologia salvava (e a pobreza continuou). Detesto cachorros e gatos (e tenho vontade de esganar quem se declara ou se comporta como "mãe (ou pai) de pet"). Quanto aos animais selvagens, só me dou conta deles quando assisto a algum documentário com essa temática na TV, domingo pela manhã (são ótimos quando se acorda de ressaca).
Acredito que não tenho nada a ver com a criança que um dia fui - e não só por causa do lance profissional.
Com sinceridade, espanto-me toda vez ao ouvir alguém dizer que "desde pequeno(a) sabia que no futuro iria virar isso ou aquilo" ou quando afirma "ter os mesmos traços de personalidade desde a meninice". Como conseguiram?
É bom avisar que essa arenga não é culpa de Aos 7 e aos 40, de João Anzanello Carrascoza (Editora Cosac Naify, 2013). Ainda assim, lendo-o, fiquei me perguntando: quando é que se deixa de ser quem pensávamos ser? Pondo de lado os assombrosos indivíduos que, adultos hoje, pensam ser a projeção (com poucas variações) do que eram quando crianças, creio que um considerável número de pessoas (como este blogueiro), de vez em quando, fica um pouco (ou muito) atônito a tentar descobrir quando, em que momento, apareceu esse eu de agora, tão dessemelhante de seus eus anteriores, principalmente do eu criança.
O personagem central de Aos 7 e aos 40, a certa altura, diz estar "habituado a ver nos homens o menino que continham, assim como via em si, sempre, o garoto que fora um dia". Capacidade invejável. Ou não.
O romance é dividido em 12 capítulos, cujos títulos antitéticos (Nunca mais e Para Sempre; Silêncio e Som, etc.) reforçam a divisão espacial das páginas, realçada por tons de cores distintos. O artifício (que se quer engenhoso, mas, em minha opinião, pueril) marca a alternância do foco narrativo: ora o narrador, em primeira pessoa, relembra momentos da infância, ora fala do presente, já adulto, em terceira pessoa.
Uma observação.
Uso o termo romance a contragosto (na falta de outro vocábulo), muito embora resenhas classifiquem assim esse trabalho de Carrascoza, bem como é o que está na CIP do volume de que disponho. Penso, contudo, faltar ao livro a encorpadura que se espera das narrativas usualmente categorizadas como romances. Em entrevista publicada em 2018, no site da Biblioteca Nacional, recuperou-se uma declaração do autor, ex-publicitário e atualmente professor na ESPM e na USP, que dissera usar "a rapidez da propaganda para deixar o texto literário menos gorduroso e a literatura para não fazer propaganda convencional". Carrascoza fala então em "texto justo, sem excessos" e que este é "um aliado atraente para tocar o leitor". Essa estratégia parece estar dando certo para ele, a contar pelos prêmios recebidos. O que não me impede de achar o romance de que estamos falando meio ralo. O escritor, a meu ver, tem se saído melhor como contista.
Algumas palavras sobre as seções que fecham o livro.
Há um belo paralelismo nas páginas finais. No penúltimo capítulo (Fim), o narrador diz:
"Para mim [quando menino], havia o dia (a escola, os amigos, as brincadeiras) e a noite; mas a noite não era o fim do dia, a noite (o medo, o cansaço, o sono) era apenas uma longa e escura hora antes de um novo dia".
No último (Recomeço), faz outra avaliação, agora adulto:
"Para ele, àquela altura, havia o presente (o trabalho, a solidão, o menino) e todas as ausências (o pai, a mãe, a mulher) e elas aumentavam a cada ano, os dias eram apenas uma longa e iluminada hora entre duas noites".
Enquanto a criança ainda olha para o mundo com uma certa expectativa animada, o homem crescido já sabe que "a vida era o que era [...] tudo no caminho é para ficar lá atrás, as pessoas carregam só aquilo que deixam de ser, o presente é feito de todas as ausências". Mesmo assim ele decide rever o lugar da infância, tentado reencetar a rota de sua existência.
Conseguirá?
BG de Hoje
Não é das minhas bandas preferidas, mas o WEEZER, admito, grava umas coisas sensacionais vez ou outra. Por exemplo, Do You Wanna Get High?