segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Falou e disse...

LIMITE *

E quando a palavra
apodrece
num corredor
de sílabas ininteligíveis.

E quando a palavra
mofa
num canto-cárcere
do cansaço diário.

E quando a palavra
assume o fosco
ou o incolor da hipocrisia.

E quando a palavra
é fuga
em sua própria armadilha.

E quando a palavra
é furada
em sua própria efígie.

A palavra
sem vestimenta,
nua,
desincorporada.

* VENTURA, Adão. Costura de nuvens. Sabará: Dubolsinho, 2010. p. 37


sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O mundo continua Caim: lendo a poesia de Adão Ventura


        

    "É hora
de sair do gueto/eito
    senzala
e vir para a sala
- nosso lugar é junto ao Sol."



Adão Ventura (do poema Agora)


 
 
Aprecio muito um site chamado I fucking love science (www.iflscience.com). O negócio por lá é vulgarização científica, se possível com um toque de bom humor. Mesmo tendo como objetivo tornar o universo das ciências um pouco mais compreensível para os leigos em geral (como este blogueiro), o site produz artigos bem elaborados - a despeito da pequena extensão deles - e tem o cuidado de sempre indicar as fontes originárias das informações divulgadas. Mas apesar de gostar bastante do I fucking love science, acabei tendo um ligeiro desagrado com algo que foi postado em sua página do Facebook.

Era um meme composto por uma foto de Bill Nye (conhecido nos EUA pelo programa de TV Bill Nye the Science Guy) e a seguinte declaração dele:

"Along with the evidence of common sense, researchers have proven scientifically that humans are all one people... The color of our ancestors skin and ultimately my skin and your skin is a consequence of ultraviolet light, of latitude and climate. Despite our recent sad conflicts here in the U. S., there really is no such thing as race. We are one species. Each of us much, much more alike than different. We all come from Africa. We all are of the same stardust. We are all going to live and die on the same planet, a pale blue dot in the vastness of space. We have to work together". [grifos do original]  *

Acho Bill Nye um cara inteligente e boa-praça. Suas palavras reproduzidas acima são inspiradoras, bem intencionadas e - sob um perspectiva estrita -, cientificamente corretas. Então por que fiquei incomodado com isso? Explicarei. E por ser um assunto complexo, tenho que estender este texto para além do tamanho habitual das minhas postagens aqui no blog. Peço compreensão e paciência do(a) eventual leitor(a).

Geneticamente falando - garantem-nos a biologia e a paleoantropologia -, não há realmente essa coisa de raça ("there really is no such thing as race"). Entretanto, como observou muito bem Ellis Cashmore**, o termo raça adquiriu ao longo dos séculos muitos sentidos, variando no decorrer do tempo:

"É importante ressaltar essas mudanças porque há uma suposição de que a palavra só pode ser usada de uma única maneira cientificamente válida. As diversidades físicas atraem a atenção das pessoas tão prontamente que elas não percebem que a validade da raça como conceito depende do seu emprego numa explicação. De acordo com esse ponto de vista, a questão principal não é o que vem a ser 'raça', mas o modo como o termo é empregado. As pessoas elaboram crenças a respeito de raça, assim como a respeito de nacionalidade, etnia e classe, numa tentativa de cultivar identidades grupais".

Desse modo, o termo raça indica também uma construção sociocultural, tal como brasileiro, judeu ou classe média. É por causa de sua polissemia que o termo " 'raça' é um significante mutável que significa diferentes coisas para diferentes pessoas em diferentes lugares na história e desafia as explicações definitivas fora de contextos específicos", diz Cashmore. Ainda segundo o autor, há quatro sentidos principais para essa palavra. O último deles - "um grupo de pessoas socialmente unificadas numa determinada sociedade em virtude de marcadores físicos como a pigmentação da pele, a textura do cabelo, os traços faciais, a estatura e coisas do gênero" - é o que este blogueiro tem em mente todas as vezes em que usa a palavra raça aplicada a grupos humanos. E é importante dizer que "quase todos os cientistas sociais usam o termo somente neste quarto sentido de grupo social definido pela visibilidade somática".

Ou seja: se por um lado não faz sentido falar em raças humanas no contexto da biologia (ou melhor dizendo, no contexto da genética), faz todo sentido falar em diferenças e pertencimento raciais no contexto sociológico.

Se é verdade, como assinalou Ellis Cashmore, que a maioria das sociedades não fizeram distinções internas em relação aos grupos humanos que as compunham, fica difícil, por sua vez, não constatar que a civilização ocidental moderna o fez (e continua fazendo):

"As sociedades que reconhecem as raças sociais são invariavelmente racistas, no sentido de que as pessoas, em especial os membros do grupo racial dominante, acreditam que os fenótipos físicos estão ligados a características intelectuais, morais e comportamentais. Raça e racismo, portanto, andam de mãos dadas".

Estamos acostumados com declarações do tipo "raça não existe, somos todos iguais", "eu não olho a cor das pessoas, só aquilo que elas tem por dentro", "devemos comemorar o dia da consciência humana, e não negra", às quais poderíamos adicionar uma que ficou bem na moda ultimamente: "#SomosTodosBláBláBlá". É bastante sintomático que essas frases partam, na maioria das vezes, de indivíduos para os quais não há interdições, obstáculos ou constrangimentos ocasionados por seu fenótipo. Noutras palavras: quem lança esses lugares-comuns vazios (mas aparentemente bem intencionados) é geralmente branco, do mesmo modo que são brancos a maioria esmagadora dos astros de cinema, os modelos da publicidade, os executivos mais poderosos e os donos dos grandes conglomerados. E, se considerarmos o caso brasileiro, também os ocupantes dos postos de poder dentro da administração pública.

Todas essas pessoas brancas têm alguma vivência como objetos de ações racistas? Por que diabos estariam essas pessoas mais capacitadas do que as outras, não-brancas, para dizer o que é ou não racismo, sendo que o segundo grupo de indivíduos é geralmente o alvo preferencial da discriminação, do preconceito e da intolerância?

Sei que o tema pede maior aprofundamento e uma discussão mais detida; receio, contudo, estar me demorando. E ainda nem sequer comecei a tratar do assunto central dessa postagem, para o qual o texto até então elaborado está servindo apenas como preâmbulo. Avancemos, então. Espero que o(a) eventual leitor(a) tenha me acompanhado até aqui e permaneça até o final.

. . . . . . .

E já que se falou tanto em raça, é necessário reconhecer que nunca faltou ao poeta mineiro Adão Ventura a consciência de seu pertencimento racial. Essa consciência evidencia-se em vários de seus textos***:

"Faça sol ou faça tempestade
meu corpo é fechado 
por esta pele negra"
                                  (Do poema Faça sol ou faça tempestade)

"Em negro
teceram-me a pele
Enormes correntes
amarram-me ao tronco
de uma nova África"
                                 (Do poema Um)

É preciso dizer, sem véus retóricos, as muitas implicações da negritude:

"Para um negro
a cor da pele
é uma sombra
muitas vezes mais forte
que um soco"
                                 (Do poema Para um negro)

Não falta ao poeta, obviamente, o conhecimento de nossa história. E, numa estrofe apenas, desmonta-se a farsa de nossa propalada "democracia racial":

"Minha carta de alforria
não me deu fazendas
nem dinheiro no banco
nem bigodes retorcidos"
                                (Do poema Negro forro)

Tem razão Sebastião Nunes**** ao dizer que a poesia de Ventura "vai direto na veia, ataca no ponto certo, expondo as feridas da raça, abertas por séculos de humilhação, nas senzalas e nas casas-grandes, nas vilas e nas cidades, nos salões e nas ruas, no passado e no presente".

Essa poesia amarga e autêntica olha a realidade sem ilusões. Daí qualificar esse nosso mundo torpe como um "mundo Caim", aludindo ao nefando personagem bíblico:

"O mundo continua Caim
Uma bomba comprime meu coração
reduzindo-o a chumbo e pólvora.
Restam-me os sonhos,
também já quase plastificados".

Para que as palavras não assumissem "o fosco/ou o incolor da hipocrisia" (como se lê no belíssimo poema Limite), Adão Ventura lutou em cada um de seus escritos.

* tradução aproximada: "Ao lado da evidência de senso comum, pesquisadores provaram, cientificamente, que os humanos são todos um único povo... A cor da pele de nosso ancestral e, finalmente, da minha pele e da sua pele é a consequência da luz ultravioleta, da latitude e do clima. Apesar dos recentes e tristes conflitos aqui nos EUA, não há realmente essa coisa de raça. Nós somos uma única espécie. Cada um de nós é muito mais parecido do que diferente. Nós todos viemos da África. Nós todos somos o mesmo pó estelar. Nós todos vamos viver e morrer no mesmo planeta, um pálido ponto azul na vastidão dos espaço. Nós temos que trabalhar juntos". [grifos do original]

**  CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Summus, 2000.[Tradução de Dinah Klevel] 

* * * VENTURA, Adão. Costura de nuvens: antologia poética. Sábara: Dubolsinho, 2010.

**** Essas considerações fazem parte do prefácio da antologia Costura de nuvens acima referida. E aproveito para reconhecer aqui o trabalho heróico de Sebastião Nunes através da Edições Dubolsinho, enfrentando as adversidades desse mercado editorial tão cruel com a poesia e as pequenas editoras.

BG de Hoje

Assim como JAMES BROWN, hoje eu canto:  Say it loud (I'm black and I'm proud)

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Negritude, um retrato da juventude africana e a mitologia iouruba em quadrinhos

Nesta semana, as postagens do blog serão alusivas ao Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro). Como faz tempo que não escrevo sobre quadrinhos, aproveito logo para destacar hoje três obras do gênero.
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Muita gente já disse que os estrangeiros em geral conseguem perceber os problemas raciais do Brasil de forma mais realista, sem o "filtro rosa" com o qual diversos brasileiros - por má fé, ignorância ou mesmo ingenuidade - preferem olhar para a questão*. É algo a se verificar. Mas posso dizer, sem dúvida, que no caso de Negrinha (Editora Desiderata, 2009), elaborado pelos franceses Jean-Christophe Camus e Olivier Tallec, os artistas conseguiram dar ao tema o tratamento apropriado, sem falsas amenidades.

A história se passa em 1953, no Rio de Janeiro. Maria é uma adolescente negra, de pela mais clara e cabelos lisos (dentro do peculiar colorismo da sociedade brasileira, talvez até poderia ser vista como branca). Dona Olinda, sua mãe, é negra de pele escura e trabalha como empregada doméstica. Dona Olinda saiu do morro do Cantagalo para que a filha vivesse no "asfalto" e, segundo Carmen, tia da menina,

"fez de tudo pra não faltar nada pra você [Maria], pra você ser criada em um bairro de rico, estudar em um bom colégio. Tudo o que ela fez foi pra você ter uma vida melhor do que a dela... Melhor do que a nossa... Você é descendente de escravos, meu amor, e apesar de a escravidão ter sido abolida 65 anos atrás [em relação à epoca em que a história em quadrinhos se desenrola], pode acreditar, é melhor ser branco do que ser preto... A menos que você seja músico ou jogador de futebol..."

Negrinha expõe muitas das facetas do racismo que caracteriza nosso país, como a subalternidade dos postos de trabalho aos quais a maioria das pessoas negras é confinada, ou a brutalidade policial e a violência oriunda do crime, cujas vítimas, em seu maior número, são pessoas negras. A escrita de Jean-Christophe Camus flui com simplicidade, sem, no entanto, render-se às simplificações. E os desenhos de Olivier Tallec, aquarelados, fornecem a delicadeza necessária à matéria narrada.

Enfim, um trabalho de primeira.

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Aya de Yopougon (Editora L & PM, 2012) tem como protagonista uma jovem de 19 anos, cujo principal objetivo é ser médica. Vive com as amigas num bairro popular de Abidjan, a maior cidade da Costa do Marfim (e que foi capital do país na época em que a história se passa - finalzinho dos anos 1970).

Escrita por Marguerite Abouet e ilustrada por Clément Oubrerie, Aya de Yopougon tem bom ritmo e diversos momentos cômicos, o que não impede a narrativa de incorporar tópicos tais como o machismo, a gravidez não planejada e a desigualdade social.

É pena que somente as duas primeiras partes dessa obra foram publicadas no Brasil (originalmente, são seis). Ah, e vale também dizer que a história foi adaptada, com sucesso, para o cinema de animação, num desenho de longa-metragem lançado em 2013.

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Orixás: do Orum ao Ayê (Editora Marco Zero, 2011), ainda que tenha seus méritos, infelizmente não é tão boa quanto as duas obras já destacadas. Sua proposta gráfica é a das publicações standard norte-americanas sobre super-heróis. Tudo é muito bem desenhado, com acabamento bem feito, mas carece um pouco de originalidade. Faltou também um pouco de ação (falha que já havia detectado noutra adaptação de narrativas mitológicas - naquele caso, judaico-cristãs - e que discuti noutra ocasião anterior).

De todo modo, trata-se de um bom título para servir de introdução (sobretudo para as crianças e para os adolescentes) a uma parte integrante essencial do patrimônio cultural ioruba (ou yorubá, como queiram), tão relacionado com a cultura afro-brasileira. A esse respeito, a propósito, também vale a pena conhecer Os príncipes do destino: histórias da mitologia afro-brasileira, de Reginaldo Prandi, e o ótimo Ogum, o rei de muitas faces e outras histórias dos orixás, escrito por Lídia Chaib e Elizabeth Rodrigues. NOTA: Estes dois últimos títulos citados não são HQs.

Na próxima postagem, falo do poeta Adão Ventura.

* Gilberto Gil - que assina o prefácio de Negrinha - prefere dizer que a história ilustra à miscigenação brasileira e não menciona em nenhum momento o termo racismo (que é, como já disse, brilhantemente tematizado pelos autores franceses nessa obra). Claro que Gil não se esquivou da questão da desigualdade racial ao longo de sua carreira (e seu extraordinário cancioneiro comprova isso), mas é perceptível que até mesmo ele - e desconheço os motivos - não se sentiu à vontade para trazer esse tópico à baila ao apresentar o livro ao público brasileiro.

BG de Hoje

Acho que já disse, noutra oportunidade, que considero CHICO CÉSAR um letrista sensacional. Isso fica comprovado, por exemplo, desde o título desta canção: Respeitem meus cabelos, brancos. Com apenas uma vírgula, transforma o que era um simples adjetivo da conhecida expressão popular em um vocativo que define claramente para quem vai o recado dado na canção. Ah, e é claro, tenho que mencionar o ritmo contagiante dessa faixa.


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Livro: entre o poder simbólico e a obsolescência (III)


[Atenção: o texto abaixo é o terceiro de uma discussão 
iniciada aqui (1ª parte) e que teve prosseguimento aqui (2ª parte)]

Na primeira postagem desta série, deixei no ar algumas perguntas. E uma delas foi: o fim do livro - se é que isto vai acontecer num futuro imediato - deixará um certo tipo de leitor (como este blogueiro) desamparado? 

Eu pensava, ao formular esse questionamento, no livro como suporte material (possivelmente o mais tradicional deles) para os textos elaborados pelas mentes humanas. Leitores inteligentes, entretanto, sabem que o mais importante numa obra é o seu conteúdo (suas ideias e formulações conceituais e, no caso da Literatura, também sua estilística). Buscamos num texto, antes de tudo, o seu lado, digamos, "espiritual" e não nos importa que a sua - ainda me valendo da mesma representação - forma "corpórea" esteja materializada num rolo de papiro, num codex de pergaminho, numa brochura de papel ou na tela de um notebook. Noutras palavras, o livro é só um objeto, um instrumento.

Mas lá do fundo da minha cabeça vem uma voz rouquenha, com um sotaque fora de moda (se percebe no seu tom) que me diz: "Absolutamente! Não é um objeto!". O livro impresso - o nosso tão familiar livro de papel - deveria erigir-se do terreno mundano das mercadorias (ele próprio uma mercadoria obsoleta, diriam muitos por aí) e atingir as alturas do sublime, digno de veneração.

Pronto: eis a armadilha do fetichismo:

É então que me lembro do conceito marxista. Num arguto ensaio* (ao qual retornarei mais adiante) o antropólogo Igor Kopytoff considera que:

"Para Marx, o valor das mercadorias é determinado pelas relações sociais ocorridas na sua produção; mas a existência do sistema de troca faz com que o processo produtivo se transforme em algo remoto e mal entendido, e ele 'mascara' o valor real da mercadoria [...] Isso permite que a mercadoria seja socialmente dotada de um 'poder' de fetiche que não se liga ao seu valor real".

E esse "poder" acaba conferindo a determinadas coisas - neste caso, livros - um verniz de prestígio ainda bastante reluzente nos dias atuais, quando todos admitem a trivial condição delas como produtos comercializáveis.

O fetichismo em torno desse objeto remete-me ao ensaio Do fim da cultura ao fim do livro, de Sérgio Paulo Rouanet** (já mencionado aqui). Segundo o ensaísta, "todos nós, intelectuais, vivemos dos livros e para os livros" e "como se isso não bastasse, somos incorrigíveis fetichistas, fascinados pelos livros enquanto objetos, e não somente enquanto depositários de ideias e informações". Sendo "filhos da 'galáxia de Gutenberg' ", teríamos restrições em "aceitar facilmente a passagem para outra galáxia". Nossa inadaptação às mudanças provocadas pelo atual cenário tecnológico pode explicar muitas das alegações a respeito do fim do livro. E, se "levado às últimas consequências, esse comportamento é, certamente, irracional", adverte Rouanet. Os novos suportes e recursos informacionais são uma realidade incontestável e, à sua maneira, disseminam conhecimento como nenhum outro instrumento o fez até hoje.

O que estamos vivenciando hoje, talvez, seja "uma crise da cultura da qual a crise do livro seria, senão um epifenômeno, pelo menos um sintoma", pensa Sérgio Paulo Rouanet. O autor considera que

"As pessoas não leem, não por serem analfabetas, mas por serem vítimas do fenômeno social do 'iletrismo', ou seja, a recusa de ler, mesmo quando elas dominam a técnica da leitura. É nisso, fundamentalmente, que a globalização é trágica, não por dissolver identidades, mas por 'planetarizar' a massificação, carregando os detritos culturais até os confins do universo e, assim, destruindo a curiosidade intelectual sem a qual deixa de existir o prazer da leitura".

Para o ensaísta, o ser humano contemporâneo, globalizado,

"foi condicionado para deixar de ler, passando por uma pedagogia da não-leitura; não lê porque a leitura exige esforço, enquanto a mídia lhe oferece uma satisfação instantânea [...] não lê porque passa por uma aprendizagem regressiva que faz com que regrida do estágio do pensamento conceitual, sem o qual nenhuma leitura é possível, para o estágio do pensamento por imagens, efêmeras por natureza, sem vínculos entre si, e que nada podem fazer além de refletir um mundo igualmente desconexo - por essa razão, ininteligível - e, por consequência, não transformável. É evidente que o contrário é, igualmente, verdadeiro: por não ler, o homem não aprende a pensar segundo os princípios da causalidade, do ponto de vista histórico e político".

O livro, símbolo do pensamento conceitual e da capacidade de olhar o mundo de uma perspectiva histórica e política, é considerado obsoleto na atualidade, possivelmente não pela materialidade de que é feito, mas pela função sociocultural que exerce.

Continuo na próxima postagem.
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* KOPYTOFF, Igor. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In: APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da UFF, 2010. p. 89-121 [Tradução de José Augusto Drummond]

** ROUANET, Sérgio Paulo. Do fim da cultura ao fim do livro. In: PORTELLA, Eduardo (Org.). Reflexões sobre os caminhos do livro. São Paulo: Moderna, 2003. p. 57-77

BG de Hoje

Cada vez que noto alguém ouvindo música-porcaria, me pergunto: porque fechar a sua mente com tanta má qualidade? É tão mais fácil hoje encontrar bons artistas espalhados por esse mundão... Como, por exemplo, a cantora e compositora franco-nigeriana ASA (pronuncia-se 'ASHA'). A canção chama-se Jailer.