Há uma conhecida praça em Berlim chamada Bebelplatz*. O local é usado às vezes para eventos públicos e manifestações políticas. Também é muito procurado por turistas. Muitas dessas pessoas, lá chegando, põem-se a olhar para um recorte quadrado no chão, coberto por vidro resistente. Trata-se de um monumento, colocado no subsolo, intitulado (Versunkene) Bibliothek ["Biblioteca (afundada)", em português].
Concebido pelo artista plástico israelense Micha Ullman e inaugurado em março de 1995, Bibliothek é um memorial que faz referência à queima de aproximadamente 20.000 livros, ocorrida naquela mesma praça, em 10 de maio de 1933. Integrantes da Liga de Estudantes Nazistas, grupos da Juventude Hitlerista e membros da SS, espicaçados pelo discurso de Joseph Goebbels (o ministro da Propaganda do governo de Hitler), foram os responsáveis por essa ação bárbara e estúpida.
O monumento é constituído, basicamente, por estantes vazias, em cujo espaço poderiam caber os vinte milhares de livros queimados pelos nazistas. Na placa do memorial foram reproduzidos versos do escritor Heinrich Heine: "Das war ein Vorspiel nur, dort wo man Bücher verbrennt, verbrennt man am Ende auch Menschen" ("Isso foi apenas um prelúdio: onde se queimam livros, no final irão também queimar pessoas", seria o sentido aproximado em português).
Nessa mesma Bebelplatz, durante a Copa do Mundo de 2006, ficou em exibição uma escultura de 12 metros de altura intitulada Der moderne Buchdruk ("A moderna tipografia" ou "A moderna impressão", em português). É a sua imagem, ali no alto, que ilustra esta postagem. A obra fazia parte do projeto Terra de Ideias, cujo objetivo era destacar a contribuição dos alemães em determinadas áreas**. Além dos pensadores e literatos incluídos nas lombadas da pilha de livros, Der moderne Buchdruk nos remete, implicitamente, a Johannes Gutenberg, o "pai" da imprensa moderna.
A meu ver, tanto a (Versunkene) Bibliothek quanto a Der moderne Buchdruk representam, inequivocamente, o (ainda) prestigioso lugar ocupado pelo livro em nossas sociedades, enquanto objeto-símbolo do saber. No primeiro caso, os livros (e o conhecimento contido nestes) foram considerados inimigos de um regime político iníquo. No segundo, os livros (e as ideias e/ou recursos artísticos contidos nestes) atingiram tamanha envergadura que influenciaram não só uma nação, mas boa parte da cultura ocidental.
Entretanto, todos já ouvimos que tais objetos em breve irão desaparecer. Ou, talvez, na melhor das hipóteses, "amanhã, os livros podem vir a interessar apenas a um punhado de irredutíveis que irão saciar sua curiosidade nostálgica em museus e bibliotecas", como especulou Umberto Eco, poucos anos atrás, de maneira descompromissada, em Não contem com o fim do livro***. Seja como for, eles permanecem, por enquanto, disponíveis para uma imensa quantidade de gente.
Gostaria - com a permissão do(a) eventual leitor(a) - relatar uma situação rotineira em meu ambiente de trabalho que vai ao encontro do que estou dizendo a respeito do poder simbólico conservado (até quando?) pelos livros.
Vários estudantes (crianças e adolescentes), ao entrar na biblioteca, procuram por aquilo que eles próprios chamam de "livros grandes". E o que seriam esses "livros grandes"? Publicações com centenas de páginas, não ilustradas, preferencialmente encadernadas em capa dura e exibindo um ar de antiguidade. Qual o motivo para esse tipo de demanda entre indivíduos que, na maioria das vezes, não detêm sequer os rudimentos da alfabetização?
Perguntando aqui e ali, acabo achando a resposta. Esses estudantes querem apenas simular maior inteligência ou exibir um acervo de conhecimentos mais amplo do que de fato possuem. E ter em mãos um catatau repleto de folhas escritas é um bom ardil - mesmo que não se compreenda nenhum de seus parágrafos ou que a obra em questão seja uma rematada bobagem. Para ser justo, conheço também muitos adultos que lançam mão do mesmo estratagema.
Reconheço que a leitura (em seu sentido mais profundo, imersivo, como já discuti aqui) é uma atividade exercida, de maneira contínua, por uma minoria apenas; porém, todo o restante da sociedade (inclusive parte do imenso grupo dos não-leitores) ainda reconhece no livro, de forma positiva, um receptáculo de sabedoria.
Os questionamentos, contudo, não cessam.
Os novos suportes e tecnologias de informação que condenaram o livro à obsolescência conseguem proporcionar a mesma qualidade de interação entre texto e leitor da era pré-eletrônica/digital? Se o livro simboliza uma parte importante da cultura e da civilização, a dissipação deste implicará um declínio de determinados valores culturais e civilizacionais? O fim do livro - se é que isto vai acontecer no futuro imediato - deixará um certo tipo de leitor (como este blogueiro) desamparado?
Tratarei disso noutra ocasião.
A meu ver, tanto a (Versunkene) Bibliothek quanto a Der moderne Buchdruk representam, inequivocamente, o (ainda) prestigioso lugar ocupado pelo livro em nossas sociedades, enquanto objeto-símbolo do saber. No primeiro caso, os livros (e o conhecimento contido nestes) foram considerados inimigos de um regime político iníquo. No segundo, os livros (e as ideias e/ou recursos artísticos contidos nestes) atingiram tamanha envergadura que influenciaram não só uma nação, mas boa parte da cultura ocidental.
Entretanto, todos já ouvimos que tais objetos em breve irão desaparecer. Ou, talvez, na melhor das hipóteses, "amanhã, os livros podem vir a interessar apenas a um punhado de irredutíveis que irão saciar sua curiosidade nostálgica em museus e bibliotecas", como especulou Umberto Eco, poucos anos atrás, de maneira descompromissada, em Não contem com o fim do livro***. Seja como for, eles permanecem, por enquanto, disponíveis para uma imensa quantidade de gente.
Gostaria - com a permissão do(a) eventual leitor(a) - relatar uma situação rotineira em meu ambiente de trabalho que vai ao encontro do que estou dizendo a respeito do poder simbólico conservado (até quando?) pelos livros.
Vários estudantes (crianças e adolescentes), ao entrar na biblioteca, procuram por aquilo que eles próprios chamam de "livros grandes". E o que seriam esses "livros grandes"? Publicações com centenas de páginas, não ilustradas, preferencialmente encadernadas em capa dura e exibindo um ar de antiguidade. Qual o motivo para esse tipo de demanda entre indivíduos que, na maioria das vezes, não detêm sequer os rudimentos da alfabetização?
Perguntando aqui e ali, acabo achando a resposta. Esses estudantes querem apenas simular maior inteligência ou exibir um acervo de conhecimentos mais amplo do que de fato possuem. E ter em mãos um catatau repleto de folhas escritas é um bom ardil - mesmo que não se compreenda nenhum de seus parágrafos ou que a obra em questão seja uma rematada bobagem. Para ser justo, conheço também muitos adultos que lançam mão do mesmo estratagema.
Reconheço que a leitura (em seu sentido mais profundo, imersivo, como já discuti aqui) é uma atividade exercida, de maneira contínua, por uma minoria apenas; porém, todo o restante da sociedade (inclusive parte do imenso grupo dos não-leitores) ainda reconhece no livro, de forma positiva, um receptáculo de sabedoria.
Os questionamentos, contudo, não cessam.
Os novos suportes e tecnologias de informação que condenaram o livro à obsolescência conseguem proporcionar a mesma qualidade de interação entre texto e leitor da era pré-eletrônica/digital? Se o livro simboliza uma parte importante da cultura e da civilização, a dissipação deste implicará um declínio de determinados valores culturais e civilizacionais? O fim do livro - se é que isto vai acontecer no futuro imediato - deixará um certo tipo de leitor (como este blogueiro) desamparado?
Tratarei disso noutra ocasião.
* A praça, antigamente, era conhecida como Opernplatz
** Todas as seis obras desse projeto foram realizadas pela empresa alemã EDAG
*** CARRIÉRE, Jean-Claude; ECO, Umberto. Não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro: Record, 2010 [Tradução de André Telles]
** Todas as seis obras desse projeto foram realizadas pela empresa alemã EDAG
*** CARRIÉRE, Jean-Claude; ECO, Umberto. Não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro: Record, 2010 [Tradução de André Telles]
BG de Hoje
Claro que considero PAULA LIMA uma cantora de primeira. Mas não posso deixar de dizer: como é linda! Feita a declaração, vamos à música: Cuidar de mim, composição de Seu Jorge, Gabriel Moura e Rogê.