"Mas não é verdade que o destino do infantilismo é ser superado? O homem não pode permanecer criança para sempre; ele precisa sair finalmente para a 'vida hostil'. Pode-se chamar isso de 'educação para a realidade'; ainda preciso lhe dizer que a única intenção deste meu escrito é chamar a atenção para a necessidade desse avanço".
Sigmund Freud - O futuro de uma ilusão.
No mês passado fiquei internado por duas semanas, tratando de um problema de saúde um tanto grave. Suponho que a maioria das pessoas, assim como eu, deteste o ambiente hospitalar. Em locais como esse, somos lembrados a todo instante do quanto somos entes fracos, sujeitos à dor, ao sofrimento, à doença, à morte. Sentimo-nos mais fragilizados. E são nesses momentos difíceis que muita gente se aferra ainda mais à sua fé. Na minha opinião, atitude bastante reveladora do quanto há de infantil na crença religiosa.
Escrevi certa vez aqui que uma das características mais desagradáveis da religião é a sua infantilidade e naquela postagem citei um trecho de O futuro de uma ilusão, de Sigmund Freud. Decidi reler o ensaio mais uma vez, ao sair do hospital, agora numa tradução mais recente*.
Publicado pela primeira vez em 1927, O futuro de uma ilusão apresenta o argumento de que a crença num ser todo-poderoso e atento aos problemas humanos nasce do sentimento de desamparo que acompanha a humanidade, desde a infância, e que nunca desaparece por completo, mesmo na vida adulta.
A sensação de vulnerabilidade experimentada na infância acabará por servir de esteio para a construção do pensamento religioso. Como escreve Freud:
" [...] essa situação não é nova: ela tem um modelo infantil, e é, na verdade, apenas a continuação de uma situação antiga, pois uma vez o homem já se encontrou em tal desamparo: quando criança pequena diante de seus pais, os quais tinha razão para temer - sobretudo o pai, mas de cuja proteção contra os perigos que então conhecia estava seguro. É natural, assim, comparar as duas situações".
E acrescenta:
"Cria-se assim um patrimônio de ideias, nascido da necessidade de tornar suportável o desamparo humano e construído o material de lembranças relativas ao desamparo da própria infância e da infância do gênero humano".
Espanta-me o fato de a religião (ou, mais simplesmente, a crença num ser divino todo-poderoso), chamada por Freud de "um sistema de ilusões de desejo com recusa da realidade", persistir no mundo contemporâneo, sem que pessoas adultas se deem conta do quanto isso é "coisa de criança".
* FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Porto Alegre: L & PM, 2010. [Tradução de Renato Zwick]
P.S. Claro que há muitas outras maneiras de explicar e descrever o fenômeno religioso. Mas considero o ensaio de Freud um dos mais interessantes textos sobre o assunto. Noutra ocasião adiante, voltarei a falar mais detidamente desse escrito, já que nessa postagem só dei uma pálida noção do conteúdo dele.
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Outro comportamento típico do crente (refiro-me a todos aqueles que creem numa divindade e não só aos chamados evangélicos) e que me irrita pra caralho é dizer "estamos orando/rezando por você". Quando quem diz isso é alguém não tão próximo, que desconhece meu ateísmo, até dou um desconto. Mas quando parte de amigos e pessoas mais chegadas, fico puto. Lembro então duma frase divulgada pelo ator e comediante Márcio Américo, por meio do seu personagem Pastor Adélio (logo abaixo):
BG de Hoje
Se tem uma canção bem bagaceira que eu gosto pra caramba é essa: I Touch Myself, da banda australiana DIVINYLS.