quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Poesia: questão de tudo ou nada? (14)

"conciso?    com siso
 prolixo?     pro lixo"

José Paulo Paes, em Poética (A poesia está morta mas juro que não fui eu - 1988)




A epígrafe do livro Resíduo*, publicado em 1980 foi, segundo o autor, retirada d' O castelo, de Franz Kafka: "contra piadas não há argumentos". Recuperando o "espírito" inicial do Modernismo brasileiro (sobretudo nos primeiros trabalhos de Oswald de Andrade, Carlos Drummond e Murilo Mendes), José Paulo Paes colige, em Resíduo, diversos poemas-piadas, a maioria deles demonstrando concisão e economia verbais admiráveis. Vejamos dois exemplos:



"BRINDE NO DIA DAS MÃES

à tua"

e

"LAR

espaço que separa
o volkswagen
da televisão"

 
Mas meu preferido é Neopaulística:

"pelo mesmo tietê
onde outrora viajavam
bandeirantes heris

só viajam agora
os dejetos: bandeira
de seus filhos fabris"

. . . . . . 

Em A poesia está morta mas juro que não fui eu**, de 1988, as principais características de José Paulo Paes mais uma vez avultam - concisão, economia, poder de síntese e o senso de humor. Dividido em quatro seções (Olho no umbigo, Livro dos provérbios, Geográfica pessoal e Desistórias), A poesia está morta... é, em minha opinião, o melhor livro deste poeta.

Intelectual autodidata, Paes filtrou toda a sua cultura em textos compreensíveis e atraentes para o leitor comum. Observemos alguns deles:

"DA INFÂNCIA DE ROBERT MALTHUS

mamãe se é assim então é só matar todas as cegonhas!"

ou

"EPITÁFIO PARA UM SOCIÓLOGO

deus tem agora
um sério concorrente"

E o meu predileto em toda a sua obra, cujo sentimento - destoante da maioria de seus textos - é mais melancólico:

"PISA: A TORRE

em vão te inclinas pedagogicamente

o mundo jamais compreenderá a obliquidade dos bêbados
ou o mergulho dos suicidas"

Haveria mais para dizer, mas deixarei para outros momentos desta série, quando estiver discutindo outros autores.
__________
* e ** Ambos os livros estão reunidos em: PAES, José Paulo. Poesia completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008

BG de Hoje

Acho que seria muito difícil dar errado: unir três ótimos músicos (Tim Commerford, Brad Wilk e Tom Morello, do Rage Against the Machine) a Chris Cornell (ex-Soundgarden), um dos melhores cantores de rock de todos os tempos (em minha opinião, claro). E, de fato, o AUDIOSLAVE fez bonito em sua curta trajetória, principalmente no disco homônimo lançado em 2002, um dos álbuns que mais toca no meu CD-player. É nele que se ouve essa "porrada": Light My Way.