terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Adoecimento docente (III)


Seria necessário gastar mais de uma postagem para comentar o livro Condições do trabalho e suas repercussões na saúde dos professores da educação básica no Brasil: estado da arte, resultante de pesquisa  realizada em 2007 e coordenada por Marcia de Paula Leite e Aparecida Neri de Souza,  professoras da Unicamp, sobre a qual venho falando nos últimos dias. Mas, como estou bastante cansado neste final de ano, vou destacar apenas dois pontos dessa publicação (disponível, na íntegra, aqui - site da Fundacentro).

Na fundamentação teórica do estudo, os pesquisadores valeram-se, entre outros autores, do espanhol José Manuel Esteve, que cunhou o termo mal-estar docente. A expressão, segundo Esteve, " é intencionalmente ambígua (...) sabemos que algo não vai bem, mas não somos capazes de definir o que não funciona e por quê?"

Para o espanhol,  

"o mal-estar docente é um fenômeno social do mundo ocidental, que possui como agentes desencadeadores a desvalorização profissional, concomitante às constantes exigências profissionais; a violência, a indisciplina, entre outros fatores que acabam por promover uma crise de identidade em que o professor passa a se questionar sobre a sua escolha profissional e o próprio sentido da profissão".

Todos esses problemas estão diretamente relacionados às condições sociais do trabalho docente, indo além das eventuais inadaptações de um ou outro profissional. Por isso José Manuel Esteve "irá referir-se ao mal-estar docente como a um tipo de doença social causada pela falta de apoio da sociedade ao professor, provocando o desencantamento com o trabalho realizado".

A escola vem enfrentando um longo processo de sucateamento e desprestígio, ainda mais em se tratando de instituições públicas. Sua principal missão - ser um lugar, por excelência, de ensino e aprendizagem - encontra-se comprometida (sendo direto e sem tergiversações idealistas e irreais, reconheço que não se inventou, na contemporaneidade, outro espaço onde crianças e adolescentes possam ficar sob a supervisão de adultos, durante parte do dia, enquanto seus pais trabalham; boa parte das unidades escolares hoje em dia limita-se a cumprir essa função). Tudo isso tem relação direta com o mal-estar que acompanha o principal "insumo" da educação formal/escolar: a professora/o professor. 

Um mal característico da profissão docente no mundo de hoje é o burnout, devidamente discutido no estudo da Unicamp/Fundacentro. Cita-se o abrangente trabalho coordenado por Wanderley Codo, da UnB - Educação, carinho e trabalho: Burnout, a síndrome da desistência do educador, que pode levar à falência da Educação, considerado um dos mais importantes livros sobre o tema publicados no Brasil. Defende-se neste a ideia de que o sofrimento psíquico dos educadores origina-se na quebra do circuito afetivo que envolve professores e alunos. 

A definição apresentada no estudo da Unicamp/Fundacentro diz que

" O Burnout é uma síndrome que vai avançando com o tempo, corroendo devagar o ânimo do trabalhador, que vai se apagando devagar. Burnout é uma desistência de quem ainda está lá, encalacrado em uma situação de trabalho que não pode suportar, mas que, concomitantemente, também não pode desistir. O trabalhador arma inconscientemente uma retirada psicológica, um modo de abandonar o trabalho, apesar de continuar no posto. Está presente na sala de aula, mas passa a considerar cada aula, cada aluno, cada semestre, como números que vão se somando em uma folha em branco".

Conheço vários educadores que apresentam as características acima descritas, inclusive este blogueiro...

Mas são as questões levantadas, a partir do livro de W.Codo, pelos autores de Condições do trabalho e suas repercussões na saúde dos professores da educação básica no Brasil  que gostaria de destacar:

" [...] em que medida a alienação do professor é considerada na formulação das políticas educacionais, ou seja, em que medida os responsáveis por tais elaborações compreendem o fazer cotidiano dos professores, considerando as especificidades locais ou regionais? Outro ponto a ser compreendido diz respeito à importância da afetividade para a realização do ato de educar. Há que se questionar em que medida este aspecto não poderia estar sendo superdimensionado. Ou seja, não se poderia pensar em uma relação, baseada no respeito, consideração e solidariedade, seguindo os princípios da cidadania, ainda que esses princípios não excluam a afetividade?".

Termino com uma questão desagradável, do tipo "ovo-ou-galinha": quem se tornou (ou se tornará) irrelevante primeiro: o professor ou a escola?



BG de Hoje

O músico Wally de Backer (mais conhecido como GOTYE) não deve ter do que reclamar em 2012. Foi dele o hit mais tocado e comentado do ano - o que ajudou muito na venda de seu disco, Making mirrors (aliás, um ótimo trabalho). Nesse CD, gosto principalmente de State of the art, um dub "computadorizado" acachapante.