Primeiramente, leiamos este excerto (longo, peço boa vontade), extraído de Lolita*, a obra mais famosa de Vladimir Nabokov:

Você ainda está comigo? Fico contente. Então vamos lá.
Nabokov, acredito, fez acima um dos maiores elogios à ficção já escritos - de forma cruelmente irônica, convenhamos. O que nos diz ele? Diz que a ficção é confiável (lembre-se do que foi discutido na postagem anterior). Podemos nos valer de seu próprio romance para exemplificarmos.
Por mais vezes que leiamos Lolita não alteraremos o fato de que Humbert Humbert está preso e será julgado. Qualquer que seja o sentimento que a personagem nos provoque, não conseguiremos mudar esse fato.
Umberto Eco, em livro indispensável**, nos lembra que toda ficção guarda vínculos - mais firmes aqui, menos evidentes acolá - com a chamada realidade. O autor italiano afirma que "os mundos ficcionais são parasitas do mundo real". Ainda assim, ele não deixa de enaltecer a Literatura.
Sempre reconheci na ficção uma superioridade (para mim, incontestável) em relação ao mundo real. Tenho poucos amigos; para além da esfera do trabalho, sigo uma vida social insignificante. No geral, as pessoas são bastante ordinárias; eu, mais que todos. Por outro lado - e isso é paradoxal - a existência que se leva hoje em dia é cada vez mais complexa, intensa, e os indivíduos (a não ser que estejam no topo da pirâmide econômica) controlam bem pouco o que ocorre ao redor de seus "mundinhos", todos imersos num universo de constante e angustiante incerteza. Por isso, sinto-me bem ao ler estas palavras de Eco:
"À parte as muitas e importantes razões estéticas, acho que lemos romances porque nos dão a confortável sensação de viver em mundos nos quais a noção de verdade é indiscutível, enquanto o mundo real parece um lugar traiçoeiro".
Posição ingênua e alienada de minha parte? É possível. Alguém me oferece coisa melhor? Prefiro "os parasitas do mundo real".
* NABOKOV, Vladimir. Lolita. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha de S. Paulo, 2003 (tradução de Jorio Dauster)
** ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994 (tradução de Hildegard Feist)